NEVRALGIA
Alto-falante:
Acordei
nauseabundo, com a alma lavrada em pedaços, nos braços castos e gastos de
Fernando Pessoa: perto do fogo. E na areia deserta, a solidão que se espalha e
rama dos braços de Fernando, esfriou-me a alma em Pessoa, represando em nós, o
atrito que nos aproxima, e que jamais nos distancia.
“Tudo vale a
pena se a alma não é pequena”.
Ele disse.
Tudo vale. A
pena… Alma. Pequena.
Falei. E
disse:
— Entendi! Não
é o tamanho da alma que importa, não é Fernando?! Mas a qualidade do espírito
que se tem. Não é possível medir a alma de alguém, se esse alguém nem sabe que
alma tem.
E pequena, Pessoa, pode ser a alma do outro: não a nossa.
O oco da
alma do outro, buraco vazio, escuro de mina, funda e árida vida, a desolação de
um coração crucificado em pregos torvos, a má sorte, o factício, o invejoso, o remédio que não cura, a doença que não sara, a escravidão que não
liberta, a tristeza obituária, o enterro que perdura, o sentimento demolhado em
ressentimento, o ódio aferventado na ingratidão, o castigo aviltante, o oposto do oposto, a surra da palavra, o preconceito do indivíduo e o individualista
preconceituoso, a paixão e o platônico na era do gelo, o racismo de aço, o asfalto
e a favela, a morbidez, a tortura.
A alma
pequena do outro é o que me apavora, Pessoa. E a mim só me resta rezar ao azar ou a sorte, porque não sou forte: não tenho porte, tenho medo da morte. Não sou
um homem. Sou papel. Se me molham, desfaleço e morro. Se me amassam, perco a forma. Se me rasgam, me divido em mil pedaços. Se me cortam, eu sangro.
Sangue nas
paredes…
Acordei. E
agora que ouso dormir, caio no sono, e dormir não posso. Perdoe-me Fernando,
vou-me embora com essa dor que me deflora, seco como tua alma de ossos e ócios
de outrora. E jamais para mim voltar-me-ei. Parto para ti, e em tuas entranhas
viverei, largado num canto de tua poesia. Nevralgia.
Caldeirão
dos afetos mofados…
Algum dia
compreender-me-ei dentro desse sentimento poderoso que é o amor. Ele pode ser o
nosso refúgio, quando não houver ninguém além de nós mesmos para nos amparar e
nos proteger de nós mesmos. Ou, nos impedir de cometer erros irreparáveis. O
amor pode decidir o destino de muitas vidas. Inclusive a nossa. Abençoando-nos
com o melhor que há em nós e nos adentros do outro. Ou, decifrar os segredos
que há em nós, e que nem mesmo nós, sabemos que os temos. E séculos após termos
partido, Fernando, o amor florescerá em nossos sonhos, porque sempre haverá uma alma e um
coração em nós.
Todos nós queremos
ser amados, mas alguns de nós nos esquecemos, de amar a nós mesmos.
Eu te amo,
Pessoa. Mas na tua ausência, eu me contento comigo.
CONTACT BETTO BARQUINN:
NEVRALGIA ™ © copyright by betto barquinn 2010
TODOS OS DIREITOS AUTORAIS RESERVADOS BY BETTO BARQUINN
TODOS OS DIREITOS AUTORAIS RESERVADOS BY BETTO BARQUINN
Lendo os seus textos a gente percebe que talento e para poucos! Maravilhoso, Betto! Mar-ra-vi-lho-so!
ResponderExcluir