BEM-ACHADO
Confessions on a dance floor...
Eu quero me
organizar internamente para ser feliz. Não, não é isso. Eu quero ganhar muito
dinheiro e nunca mais depender da esmola de ninguém! Sei que sou fútil e que
fui tola. Sei que qualquer mulher na minha idade, tem muito mais objetivos na
vida, do que jamais terei. Todos os dias o espelho me diz que sou velha,
remendada, um fantoche costurado por dentro e por fora: plastificada como um
boneco de gelo. E eu aqui… conservada por criogenia. Condenada por falar demais,
quando todos me acenam com o não estampado na testa, dizendo-me: Cale-se!
Odeio ser a
certa na hora errada, quando tudo indica que só eu peco. Quando isso acontece,
me sinto vivendo entre a boca do lixo e o portal do inferno. Ontem mesmo fui
parar toda errada, na festa certa, vestida de Victoria's Secret da cabeça aos
pés, parecendo uma vaca de luxo ordenhando-se num banheiro público do Brooklyn.
E lá estava
eu, aparentemente sóbria e dona de mim mesma; friíssima, bêbada e insegura até
o pó do osso, sorrindo por fora, como se eu fosse a única pessoa do mundo lá
dentro. Sabe, já disse e fiz tanta sacanagem nessa vida, que sei que não vou
mais para o Céu. Não aquele “céu dos anjinhos de louça”. Quem sabe haja o céu
das vadias…
Se houver, então eu me salvo! Mas vou ter que
barganhar muito, fazer o possível e o impossível para chegar ao menos no
Purgatório, e enrolar ao santo e ao diabo, para ser aceita por um deles em
algum lugar que não seja um corpo celeste com campo gravitacional tão
intenso, que a velocidade de escape se iguala à velocidade da luz. Buraco
negro. Só sei que vai nevar nas montanhas do inferno, ou tremer as terras do
Paraíso, quando por lá eu chegar. Eu sou assim: um tanto romântica antes e
depois de arrancar os cabelos. Tem gente que é muito feliz em público e sofre
demais quando tem que aturar a si mesmo na solidão do quarto. Eu não.
Delicio-me com a minha companhia. Sou eutímica a tal ponto, que o assunto
que mais me interessa na vida sou eu mesma. Por isso sou uma mulher que fala na
primeira pessoa. Eu sou… Eu tenho… Eu quero… O que acontece
no quintal dos outros, na maioria das vezes me dá ojeriza. Enojada, volto para
dentro de mim, e adormeço nos meus braços, para dizer adeus ao mundo exterior.
Sobre a
festa...
Fui
convidada às pressas para ir a tal festa mexicana, entre sacos de supermercado
e sacolas de feira, subindo louca num elevador apinhado de gente horrorosa e de
mau com a vida, gritando:
— Segurem a
porta do elevador! Não estão me vendo aqui?!!! Tô grávida, porra!
Sempre faço
isso quando estou com pressa, ou quando não sou o centro das atenções, ou
quando estou com TPM (o que dá no mesmo), ou ninguém me compreende. Ou seja,
sempre. Então aplico o golpe da grávida raivosa, coloco um travesseiro por
baixo da roupa, crio uma barriguinha falsa, e todo mundo logo fica solidário
comigo.
Portanto,
como ia dizendo…
lá ia eu, cheia de compras, armando o maior barraco
no prédio, inconformada por depender da má vontade daqueles estranhos,
que “educadamente” seguravam a porta daquele 'carroça' de elevador,
quando a garota de programa que mora no 201, me convidou para a festa no
apartamento dela, enquanto segurava meus girassóis de cristal, — que me
custaram os olhos da cara e ¼ da minha auto-estima. Se eu contar o que tive que
fazer para conseguir esses girassóis, até a minha mãe gospe em mim… Ou seja, depois de tanto sacrifício, eles não podiam
quebrar!!! Educadamente, aceitei o convite para ir à festa, como se estivesse
pagando um favor. Até porque a profissional do sexo é um amor de meretriz, e
caso ela goste de mulher, eu que não sou nada preconceituosa, acabo me casando
com ela. Sempre fui moderna em meus relacionamentos mesmo… “Não custa
nada experimentar novos pratos, novos sabores”, —
pensei. Entretanto, decidi ficar quieta e
parar de atirar para todos os lados. Afinal, ela não era mulher para mim, — discorri. Prontamente
aceitei o convite da festa, sorri ajeitando a barriga de pano que caiu no chão,
e dei de ombros, num tanto faz genérico.
— A que
horas é a festa? — indaguei.
“Às vinte e
uma horas”, — respondeu-me com aquele ar blasé, de quem queimou o peru no
próprio forno. Ou seja, ela gosta de mim e é isso que importa…
“Nessas horas, sexualidade é igual
peso ou idade. Quem está fora dos padrões sociais, geralmente esconde a
verdade". — filosofei.
— Às
nove da noite?! Genial! Estarei lá, linda, leve e loira!
Falei isso
batendo as cinzas do cigarro no assoalho do elevador, e só me dei conta do
quanto estava sendo leviana e mentirosa, quando soltei uma baforada clássica no
‘focinho’ de uma velha mumificada a Botox (que de certo, sofria de asma ou
bronquite crônica, e odiava fumaça de cigarro). Nem sei ao certo se a velha
morava no prédio ou não. Com certeza a vadia da terceira idade devia ser amante
de algum vizinho movido à viagra… Ô veneno!
Por alguns
segundos tive medo da minha falácia. Passar dos trinta e ainda estar solteira
já é o ó… Imagina grávida! “Ai de mim… Isso é coisa de mulherzinha” — pensei. Ainda tive que aturar outra
velha irritante me dando lição de moral (lógica e retórica, obviamente). “Se
continuar assim”, — disse a rameira da
terceira idade, — “vai virar mãe-solteira!”.
Aí eu respondi a plenos pulmões: “Você é louca! Velha louca! Eu
já sou mãe-solteira!!!”. E para não sair por baixo, reconsiderei: “Meu
filho tem um pai, sabia?!”. E a horrorosa, respondeu-me: “Se ao menos
você soubesse o nome dele, seria menos imoral”. “Vaca! Vaca! Vaca!” — com um
canivete entre os dentes, — refutei. Quando estava quase obrigando a Angelina
Jolie a adotar o meu ‘filho-travesseiro’, já que ela adota o filho de todo
mundo, — resolvi
mudar de assunto para não matar aquela velha aos murros. E encerrei a
discussão, dizendo: “É melhor você calar a boca ou eu quebro um
porrete na sua cara! Vaca!”.
Ufa! Saindo
do surto psicótico e voltando à cena do elevador, pedi desculpas aos panacas do
prédio e prometi que pararia de fumar (e surrar velhas intrometidas) quando o
bebê nascesse. O que foi um ótimo para o meu marketing pessoal. E reiterei,
dizendo que a nicotina fazia menos mal ao bebê que o álcool. Foi um
escândalo! Confessei que desde que soube que estava grávida de gêmeos, diminuíra
as doses de vodka, mas que sabia que as substâncias do cigarro passavam para o
leite materno, e o bebê podia ficar “doidão”… etc, etc, etc.
Desfiei toda a série de sandices que uma mulher com desequilíbrio hormonal é
capaz de falar. Todos ficaram chocados comigo, só para variar. Um coroa
esquisitão, de fala mole e pelos do peito pintados com rena (e ainda por cima
com uma tatoo do Batman no braço), torceu o nariz ao ouvir tudo o que eu disse.
Se eu usasse uma peruca tão horrorosa quanto a que ele estava usando,
certamente viveria de nariz torcido… Velho patético!
A patricinha
lésbica do 304 ameaçou rir, mas teve amor aos próprios dentes, e engoliu o
riso. O playboy tarado da cobertura; educadíssimo, ficou de bico calado. E o
resto do resto do resto do elevador, que já era uma verdadeira população de
chatos, ficou com as mãos amarelas e com cara de ‘pum’. Dramático.
Segui,
belíssima, enlouquecendo a todos até chegar ao meu andar. Saí do elevador
com cara de ‘santa-puta lavadeira de panela’, mas não sem antes confirmar a
minha célebre presença na festa da ‘profissional para adultos’; pegar meus girassóis
de cristal caríssimos, e seguir elegantíssima pelo corredor do oitavo andar,
como se estivesse caminhando no red carpet do Brooklyn Historical Society. E
tenho certeza, que mesmo fora da cena do crime (e do elevador), ninguém ousou
perguntar o que foi aquilo. Afinal, eu estava grávida, e gravidez tem dessas
coisas.
Ah, tem um
fato que esqueci de contar… Quando a prostituta devolveu-me
o arranjo de girassóis cristalizados, a gorda do 409, exclamou:
— Parabéns
pela gravidez, menina! E vê se se cuida… Larga
o “cigarrinho do capeta!”.
Com o
sorriso mais sarcástico que o dela, respondi:
— É que
tenho desejo de fumar! Se não fumo, tenho medo que o bebê nasça com cara de ‘baseado’.
Portanto, baseado nisso, eu fumo. HaHaHaHaHa!
Foi um mal
estar homérico e um silêncio atróz. Ninguém ousou ‘latir’ mais nada. Até porque
eu digo tudo, e se não gostarem, chove cacetada! Logo, a vida seguiu lindamente,
com os refletores sobre mim, é claro.
No próximo
episódio… Vaza!
Após chegar
em casa, e perder duas horas tentando organizar a bagunça que é a minha vida,
tentei me comportar como qualquer balzaquiana que se preze. “Definitivamente, o
meu relógio biológico quebrou!” — pensei. Decidida e
mal amada, guardei as compras na dispensa, o vibrador no freezer; dei uma volta
pela geladeira, tomei ‘brazilian ice tea’ com waffles de morango, comi uma
fatia de melão asiático com torradinhas de salmão e manteiga de pétalas de
rosas, — e relaxei. Em seguida fiz um cocozinho, tomei uma ducha fria, e
parti para o meu soninho de beleza; porque queria estar linda e líquida na hora
da festa, sem essa olheira horrenda que grudou na minha cara quando eu fiz
trinta anos, e que insiste em dizer: “Daqui eu não saio. Daqui ninguém me
tira!” Ninguém merece!
Quando
acordei com a pretensão de reconfigurar a linguagem, encarnando divas e musas,
já passava das oito horas da noite. Precisava correr. Em uma fração de segundo
desamarrotei a alma, passei a roupa a ferro em brasa, usei todo o meu poder de de ‘vadia sexy’, clareei os dentes e os olhos
com corretivo “whitening”, e corri para a festa: literalmente suada. Meus
condutores de energia piram quando fico excitada ou ansiosa… Decidida, toquei a campainha do 201. Um cara barbudo e bem dotado (ou
armado com uma metralhadora no meio das pernas), me colocou para dentro; entrei
sorridente, desfilei entre os convidados com cara de mafiosos, distribuí
beijinhos e abracinhos. Foi aí que me dei conta de que não conhecia ninguém.
Fiquei azul, depois bege, finalmente quando estava toda vermelha e levemente excitada,
me peguei com uma garrafa de tequila na mão, um ‘burrito’ na outra, e uma
pergunta na ponta da língua:
— O que
estou fazendo aqui?! Cadê a vulgívaga, dona da festa?! Será que só eu, dos
vizinhos, fui convidada? Será que vão servir “nachos”? Por que nessa festa tem
gay? Onde estão os caranhões sarados, loucos para dar ‘umazinha’ no quarto de
empregada?!
Entre
inúmeras indagações, e nenhuma resposta, acabei aos beijos com uma ‘quarentona’,
— que é a cara da Sofia Loren com pênis. Lá pelas tantas, encontrei
a messalina anfitriã, trocamos dois ou três orgasmos, e fizemos a minha
performance de Madonna em “Hung Up”. Todos adoraram! No final da festa saí
à francesa, levando a tiracolo; Amanda, minha “quarentona saradona”. Ah, o amor… Não sei o que seria de mim sem o amor…
Lar doce
lar...
Em casa,
depois de brincar de médico com minha mais nova mulher, pedi uma massagem nas
costas. Ela fez. Pedi uma beijoca melada. Ela deu. Pedi que me apalpasse “lá
onde o sol não bate”. Ela obedeceu. Pedi palavras sujas e quentes. Ela disse.
Ficamos ali naquele roça-roça gostoso, conversando sobre filosofia e futebol, saboreando
torta de nozes e tomando um licorzinho de jenipapo. Finalmente, depois de
fumarmos um ‘negocinho bom’, — que eu chamei de “Mari”, e ela
batizou de “Juana”, — deitamos nuas, uma na boca da outra, e após um lesco-lesco
delicioso, adormecemos languidamente uma sobre a outra, assistindo ao último
capítulo da milésima temporada de “Sex and the City”.
Resumo da
ópera:
Se a vida
lhe der um limão, faça uma caipirinha!
Agora, sim. O
final:
— Todas nós
acreditamos no amor por razões pessoais. Às vezes porque nos dá esperança. Às
vezes por não acreditarmos em mais nada. Às vezes por nos sentirmos sós. Mas
sobretudo, acreditamos no amor, porque em algum lugar dentro de nós, ou nesse
alguém que coabita em nós, todos queremos ser amados. Todavia, quando o tão
sonhado amor acontece, compreendemos que só dará certo, se amarmos a nós
mesmos. Eu aprendi a improvisar, com aquele ou aquela, que está ao alcance das
mãos.
Você gosta
de café de máquina ou no coador é mais forte?!
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Minha namorada e eu amamos esse conto!
ResponderExcluirAmei, gatinho! Betto Barquinn é tudo de bom. Beijinhos!
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