CARNAVAL
Isolda era um bolero em lá maior tocado nos dias fúnebres, onde chorar e beber o morto é o melhor que se pode fazer para espantar o espírito para longe daqui. Sem saber, ela ia, enquanto o passado vinha. Corria, latia, batia, apanhava, emocionava. E como um amor vagabundo, embolava-se entre os espaços, vendo o tempo apodrecer e enviesar, sem nunca envelhecer.
Semana passada Isolda saiu para dançar o carnaval. E até agora não mais voltou. Dizem que saiu no bloco vestida de Carmen Miranda. Dizem que caiu no samba. Dizem que foi vista na Lapa. Dizem que desceu a escadaria do Bonfim. Dizem que vomitou na Baixa do Sapateiro. Dizem que passou aqui na porta atrás do trio-elétrico, vindo da Praça Castro Alves, rasgando o abadá. Dizem…
Acontece que Isolda atravessou o canto na Avenida. E na Marquês de Sapucaí foi vista nua fantasiada de baiana. Acontece que Isolda travestiu-se de odalisca e descobriu-se arlequim. Acontece que Isolda tinha uma dor inexplicável no peito. Sopro, diziam. Mas acontece, que sopro não era. E sim, tristeza. Isolda era triste, tão triste, que nem tristeza sentia. Melancólica, saiu naquela tarde de sábado de carnaval, com um cigarro na boca e uma garrafa de caldo de cana na mão. Fez sinal para um táxi, e antes mesmo do motorista parar, acenou para um ônibus. E lá foi ela vestida de pirata da-perna-de-pau, bailando um tango e cantando ópera em pleno carnaval. Uau! Acontece que tristeza é assim… Entorpece. Tristeza mata, espanca, deixa a gente covarde, descarado. Eu sei o que é isso… Acontece.
A verdade é que Isolda fugiu de casa num frevo. E da cidade num maracatu. E do país num coco. Isolda foi morar numa praia deserta na Costa do Marfim, porque queria comer peixe. Estava cansado dos amigos, dos amigos dos amigos, dos malandros cariocas, da família, de carne de vaca. Ninguém sabe o que se passa na cabeça de alguém que sofre. E nem no coração de quem tem os pés virados para trás.
O que aconteceu com Isolda? Você sabe guardar segredo? Eu também.
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Que texto maravilhoso Betto! Amei!
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