ÁGUA PERRIER
Não me convidaram para a Noite do Rock. Woodstock acabou. Fui
indicado ao "Framboesa de Ouro" na categoria Bobo da Corte, e ganhei.
Tornei-me um suicida de aluguel. Àquele que paga para morrer no seu lugar: e
não morre. Perguntando-se: "Se as melhores coisas da vida são de graça,
por quê o caviar é tão caro?". Minha identidade não mora mais em mim.
Foi parar na cova de um materialista, que trocou a minha humildade por sua
arrogância. Aqui estou eu, novamente falando do meu umbigo… Ouço passos no
foyeur. E não tenho a menor vontade de sair. Saciando a vida numa chaise-longue
sepulcral. Quebrando a esquina em esquadros, traçando ângulos retos, e tirando
linhas perpendiculares do meu peito geométrico. Viver é aprimorar os
sentidos num espectro fotofóbico. Dia a dia, revisitando o classicismo na
bulimia da alma. Comendo e vomitando a si mesmo. Natureza morta. Vida parada.
Vida em silêncio. Still life. Cada vez me sinto mais seletivo, refletindo a
sombra, numa dose de Jonnie Walker. Porque quem não tem um pouco de loucura não
consegue ser normal. O meu fetiche é ser feliz. Mesmo sabendo que o passado me
condena! Meus verdadeiros amigos somam os dedos de uma mão. Hoje vejo a
minha peneira cada vez menor. E só sobrou quem realmente importa. Ferramentas
da alma em vela, moldadas na cepa cinética de um corpo anorco, esquicidiço e
fastio. É raro, mas do alto da juventude, sinto-me velho. Cansado. E se fôsse
apenas, questão de geografia, já teria ido embora a muito tempo. Sinto que cada
célula do meu corpo está tentando ser feliz. Não quero procurar o paraíso no
inferno. Sou mais "low profile". A caridade é minha abastança.
Tudo que toco no meu lar, conta a história da minha vida. E só
quem viveu tudo isso, sabe me traduzir em palavras. Já caí do trono tantas
vezes, que as cicatrizes de tão profundas — endureceram-me
a alma. Não tenho a mente dos quinze anos. Não gosto que falem de mim como se
eu não estivesse presente. Não vou sobrar na vida dos outros, plastificando o
amor de quem se detesta. Jamais fui tão puro a ponto de me sentir
“Perrier". Vestindo o espírito de corpo nú, tive perdas estruturais
pesantes. Assíncronas à percepção de minha vasta autognosia. Sou um homem de
sentimentos bisextos. Aquele que tem alma até no interior dos dentes. E pensar
que um dia sonhei em colar estrelas no céu da geladeira. Descoroçoado e
friíssimo como a mim mesmo.
Sentimentos são irracionais. E isso é tudo. Pequei ao achar que
tinha o controle da situação. Ninguém tem. Por isso, o amor tornou-se um dilema
na minha vida. Me salva e me condena. Me liberta e me consome. Nesse momento,
preciso ficar aqui. Quieto no meu canto, em busca daquela velha esperança
perdida. Fumando meu charuto inglês, King Edward Specials, e brindando ao acaso
com vinho tinto adstringente: "Que os nossos sejam eternamente
nossos! Que os nossos sempre nos amem! Que os nossos (amores) tornem-se
plurais!". It's my party! Uma oratória surdamente última, esmagada pelo surto
verbo-patológico de minha esquizofrenia auditiva. Emoções percas em letras de
fumo, bebendo a solidão numa gota de vidro. E quando sinto-me assim, ouço Jazz
por milênios. Adoro o som do "Ron Carter Quartet". Acompanhando cada
nota do piano de Stephen Scoth, da bateria de Lewis Nash, e da percussão de
Steven Kroon. Ron Carter é um Bruxo, batizando lendas na praia do
Arpoador. E do céu, um Anjo consagrado Billie Holiday, faz coro junto às
constelações. E desaparece no mar.
Sei que tenho fé na vida. E que perdi a fé nas pessoas. Mas não
se sinta ofendida. A manhã que vem trará um novo dia. E não vou mudar de
opinião.
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TODOS OS DIREITOS AUTORAIS RESERVADOS BY BETTO BARQUINN
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Fantástico, Betto. Esse texto me lembrou vários momentos da minha vida. Você é maravilhoso, querido. Maravilhoso!
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