LOVE LINE DO NOT CROSS



(O vazio)


O amor é sentimento de sensível lastro, mas nós não cabemos nessa valsa, não é Kucla? A nossa porta se fechou como se abriu, em nosso idílio sepulcral. Vazia. Podados em gavetas e em fechos de faqueiros. Vazios: lá estávamos. Dez anos vividos juntos em pares circulares, como o cenário de um amor perfeito, se não fôssemos nós dois a viver esse amor. Dois em um: separados e amparados num amor bandido, vitimado lado a lado, numa cama feita de sonhos também vazios. Travesseiros vazios. Pantufas vazias. Amores vazios. Gozos vazios. O quarto que outrora fora cheio: vazio está. Vazio. Na sua saída: lágrimas. Na minha estada: solidão. Numa casa mal assombrada, o vazio torna-se o companheiro fiel, de um homem solitário. E ali sentado em cima de sentimentos também vazios, – perguntei-me: O que se faz estando no vazio? Como sobreviver à partida de um e a solidão do outro? Como tapar o sol com a peneira, e apagar da alma o amor que se perdeu, ainda com o gosto azedo do fim, pronto a nos prender no âmago de nós mesmos? Presos sim, no profundo mais profundo dos adentros mais adentros, perdidos no oco interior do vazio de nós mesmos? O que fazer, hein? Diga-me, ou se não puder, me mate.


(O tombo)



Os dias passaram como se o fim do mundo tivesse ficado para trás. O dia seguinte ao dia posterior do dia subsequente em que descobri-me só, tendo que sobreviver a mim mesmo, a preferir beber veneno a ter que aturar a minha abstinente embriaguez, esvaziou-me.

Surtei para cima de mim, e para baixo, e para fora, e para dentro, enlouquecido com uma tesoura na mão. Queria acabar com minha dor à tesouradas. Minh'alma precisava se cortar. Meu espírito de carne e osso, não quis admitir que morreu. Àquele doce amor, recheado de sonho, maria-mole e suspiro, banhado no chocolate ao leite, não resistiu a tantos anos magoados, labiados de renúncias, do não no lugar do sim, do talvez no lugar do aceito, da insensata mania de agradar o outro, de magoar a mim, de morder a boca e calar-me, de ter a língua banhada numa hemorragia eterna, de mentir, enganar, jogar sujo, trapacear, trair, admitir o medo e conviver com ele, até não mais suportar a angústia de ter que dizer adeus a quem mais se ama, depois de si mesmo. E o pior: descobrir que não me amei nada, não me apaixonei por mim, porque nunca me suportei. Odiei ter que viver comigo todos esses anos. Minh´alma presa nesse corpo em decomposição. Um boçal cheio de defeito, ignorância, machismo, analfabetismo social, incompetência afetiva, covardia moral, pelos no saco, pênis pequeno, pés descalços, nádegas `mostra, axilas peludas, suores incontroláveis, cheiros desagradáveis, esperma ralo, calos irreversíveis na alma, arrotos e gazes noturnos: descontrolados.

Assim, descobri-me ali: sentado embaixo de mim mesmo. Sentindo pena, de sentir pena, de quem tem pena de mim. Lendo com olhos cegos: "El Amor En Los Tiempos Del Cólera", do Gabriel. Escutando com ouvidos mocos: "Sorte e Azar", do Pato Fu.


Eu, ensimesmado e tímido ao lado de mim: desconhecido.



Assim fiquei, quando você foi embora. Sem chão para pisar, sem sol para xingar, sem veneno para tomar, depois lhe dar.



E você se foi, na frieza do mármore azul, sem dizer adeus. 



(O tropeço)



Então resolvi reagir, antes que as tentativas de suicídio, finalmente dessem certo. Botei fogo na casa, assei uns livros de filosofia, comi a foto de Sigmund Froid: com porta-retrato e tudo. Abri uma garrafa de álcool e ateei lança-chamas às vestes, porque precisava morrer, metaforicamente, para nascer de novo: incinerado. Joguei no lixo, tudo que no contexto do nosso, entulhava-me a vida. 

Tocou o telefone. Não atendi. Podia ser você, e para você, não tinha mais casa. Nem amor. Nem peitinho peludo. Nem bundinha malhada. Nem camisinha de chocolate. Nem leitinho quente antes de dormir. Para você: nada.


Coloquei tudo que era seu, ou foi feito de você, ou veio de você, ou foi roubado por você, ou que era meu, mas tinha sido dado por você, na lixeira. Presenteei a estranhos com suas roupas íntimas. Vendi seu aquário com peixes de vidro para um mendigo. Rasguei sua camisinha com os dentes. Depilei seu casaco de pele. Rasguei a capa dos seus discos dos "Secos e Molhados". Arranhei a porta do seu carro. Grampeei o seu telefone. Mudei a senha do seu computador. Troquei a fechadura da porta. Deletei seus e-mails. Transferi todo o seu dinheiro para a minha conta. Joguei gasolina no seu coração de pelúcia e risquei o fósforo. Amassei sua coleção de latas de cerveja. Amaldiçoei seus planos. Fumei a sua ponta. Bebi todos os seus perfumes. Furei seus sapatos importados. Martelei seu dedo. Vomitei na sua boca: depois enlouqueci. Coloquei fogo em tudo. E quando me senti soberanamente solitário, peguei as cinzas do nosso amor, e entreguei aos porcos. A casa em Manhattan: vendi. O motor-home: atirei do precipício. O gato: comi. O cachorro: virou sabão. A casa: virou churrasco. Sua mala de dinheiro: queimei. Sem um centavo no bolso, fui morar numa barraca de camping, que armei na porta do seu prédio, só para lhe infernizar.


(A reação)



Eu por mim só, não me basto. Eu quero ser sal, quero ser ar, quero ser o fazer artístico e o fazer amar. Quero Carmen de Bizet!

Abandonei uma vida de perversidades amorosas. O amor só é amor quando completa o ciclo da nossa generosidade. Não ia me culpar por mais nada. Não ia lhe culpar por coisa alguma. Iria viver com aquele homem desconhecido, que descobri sendo eu, e aprender a amá-lo mais do que lhe amei. E como lhe amei! Mas isso já é passado. Quando um relacionamento vai mal é sinal que ambos erraram. Por não saberem a hora certa de parar: caímos no precipício. O diálogo secou. O desejo acabou. O ódio passou a tomar conta das pequenas coisas. Só agora percebo que em dez anos de vida a dois, só fui feliz em dois. E você nem isso... Dois em dez é muito pouco. Vinte por cento de nada é nada. E por isso acabou... Havia oitenta por cento de chance de dar errado. E deu. Acabamos como dois estranhos, chamando o outro para gozar, sem um orgasmo sequer. Acabamos como dois inimigos, chamando o outro para amar, sem ter amor para dar. Acabamos: e isso é fato consumado. Estamos sós: sem gavetas onde esconder a solidão, sem Valentine's Day para comemorar, sem colinho do papai, sem 'blowjob' na calada da noite. De hoje em diante: nunca mais 'greatjob'. O que me resta são noites e mais noites de 'handjob'. Agora para nós: tudo é nada. Não temos mais nós. Nós não existe. Nós somos sós. Nossa vida era ótima. O inferno são os outros, eu sei. Ou, Sartre.

Amar é a manifestação do sentimento de um homem para outro homem numa estância abençoada por Deus. E de minha parte, decidi deixar o passado, no passado. Colocar um pé na frente do outro, e caminhar, mesmo que arrastado.



(A renúncia)



Ontem nos esbarramos na escada do metrô. Estação Glória. E seguimos em nossas estradas opostas, rumo aos nossos destinos, distintos. Você indo para Copacabana e eu para o Estácio. Um Rio de Janeiro vazio de nós no cartão postal. No porta retrato: a foto apagou. E de coloridos, seguimos em branco e preto, velados e revelados em nossos negativos. Sem telefonemas, apertos de mão, línguas nos mamilos, virilhas meladas, sexo exposto, penetração no meio da tarde, bocas entreabertas, gemidos graves e agudos, sussurros ao ouvido, palavrões cabeludos, mordidas na orelha, carinhos na nuca, dedadas e declarações de amor. Seguimos vivendo calados a gritos. Estávamos ali com a garganta seca, a  mão suada, o coração vazio. 

Três dias depois, soube da sua morte. E por sorte, quase não fui junto. Naquela tarde manchada de sol, quando vi descer o seu caixão de rosas, percebi o quanto fui tolo. Tolo por não dizer o quanto lhe amava. Tolo por lhe deixar morrer longe dos meus braços. Tolo por ter corrido para longe de você, ao invés de me ajoelhar aos seus pés, pedindo perdão. Tolo por enxergar o erro, onde só  havia virtude. Tolo por lhe deixar ir embora. E agora vendo o seu caixão vazio de mim, compreendo que voltaremos a nos encontrar um dia. Um amor tão grande não pode num caixão. Estou com tanto amor que não dá para sentir mais nada. Quando você se foi, deixou-me o vazio. Agora, como que para nunca mais voltar, deixou-me tardio. Você se foi de verdade... E eu que na vida só conheci mentira e vaidade, morro contigo, porque sem você, nunca mais viverei. Adeus Amália. Adeus.


(O último parágrafo)


“Se eu falar em línguas de homens e de anjos, mas não tiver amor, tenho-me tornado um pedaço de latão que ressoa ou um címbalo que retine. E se eu tiver o dom de profetizar e estiver familiarizado com todos os segredos sagrados e com todo conhecimento e se tiver toda fé, de modo a transplantar montanhas, mas não tiver amor, nada sou. 
E se eu der todos os meus bens para alimentar os outros, e se eu entregar o meu corpo, para jactar-me, mas não tiver amor, de nada se aproveita.
O amor é longânime e benigno. O amor não é ciumento, não se gaba, não se enfuna, não se comporta indecentemente, não procura os seus próprios interesses, não fica encoleirizado. Não leva em conta o dano. Não se alegra com a injustiça, mas alegra-se com a verdade. Suporta todas as coisas, acredita todas as coisas, espera todas as coisas, preserva em todas as coisas.”

(Primeira Carta de São Paulo aos Corintios). 


Enfim

FIM


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Comentários

  1. Luisa Marcondes Ferraz18 de abril de 2011 às 15:21

    Você é um talento notável, Betto. Meus parabéns!

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