GIRASSÓIS
A vida é um eterno jogo de armar.
Feliz daquele que sabe onde
encaixar as peças.
Feliz daquele que sabe onde
encaixar as peças.
(Betto Barquinn)
Girassol
fazia sapatilhas de mel e passava as noites mimando abelhas e sonhando doce.
Ela tinha Espírito. E isso numa pessoa vale mais do que qualquer sorte. É como
ser um laço de fita em torno de uma bomba. Ter alma fez de Girassol uma pessoa
e não um desastre. E só quem conquistou a vida depois da morte sabe quão
grande ela é. Assim surgiu Girassol. Uma alma solitária, sem corpo, que nunca
foi humana, aprendendo a ser gente.
Girassol era
atleta do mini-trampolim. Mas gostava de ser jardineiro central. Embora seja,
dizia, coisa para humanos. Exercia o esporte e a vida como uma função,
esgotando-se ao máximo até a última gota d’alma. Seu corpo era o orgasmo.
Treinava muito, vivia tanto, brilhava mais que uma estrela; saltando e
despencando do chão ao céu, como um Espírito que vive sabendo que um dia irá
nascer furacão. Ou, matéria carne. Ou, imensidão. Girassol queria ser um pouco de tudo.
E era. Um pouco carro. Osso. Cinzeiro. Celular. Prato. Arroz com frutos do mar.
Palito de dente. Saliva. Não poupava-se da própria sina de ser rasa e funda
dentro da noite profunda. Sabia que a vida sem amor corre parada. Os dias secam,
os meses desertam, o tarô assusta, os anos pastam, o amor vira palha. Um milênio equivale a um segundo hexadecimal. Um câncer comendo o corpo.
Dores por toda a parte. Febre e vômito doce. Noite, que neste exato momento já
passou, e ninguém viu.
Girassol
nascera numa família de mortos. Por isso crescera madura, quase podre, sem nunca
ter visto viva alma. Como seus mortos, sentia-se ausente, embora
estivesse em todos os lugares ao mesmo tempo. Onipresente?! Talvez. Girassol é filha de Deus. E se o Criador está em toda parte, ela também está. Girassol gostava dos humanos. Mas não
tinha desejos compatíveis com qualquer humanóide. Tournesol. “A pessoa nasce
para o que é” — dizia. Ela era um Espírito com raiz solitária. Uma
maquete do ser humano caída ao chão. Sabia que o amor abençoava os loucos e os
sábios. Entretanto, sua passagem pela Terra havia sido cheia de vazios, onde o
que é não era. Por isso enchia caixas de ar empilhado. Girassol sempre quis
saber-se gente. Dizia que quem cresce com corpo, embora comece a apodrecer no
dia em que nasce, torna-se um Espírito melhor. Sentia que a vida sempre bate na
porta de quem tem o coração aberto. E ela, que era viva demais, esperava. E esse foi o motivo que
a fez viver sem expectativas. O que haveria de vir, viria. Não era preciso atenazar por bagatelas. Por isso, quando olhou para si, e viu-se flor dentro desse
mundo que mais parece uma estufa para flores, entendeu que um dia fora Sunflower. E quietinha nem canto, confidenciou a si mesma: “Não deixe o medo dizer quem você é, Girassol. Mas seja aquilo, que sem ele, você irá se tornar”.
Posto isto,
deu o primeiro passo rumo ao futuro de uma supernova. Sim, Girassol era uma estrela. Uma estrela em forma de flor. Um pouco de si era sol. Um outro de si, infinito. Girassol jamais esqueceu-se
do passado. E a ele voltava, seca como uma torrada esquecida no forno: buscando o caminho das
águas. Foi aí que segredou a si mesma:
— A chuva caia
como gotas de ácido no úmido orvalho do inverno. E eu não estava brincando
quando disse que tudo isso aconteceria. Previ grandes transformações ao
atravessar o portal dimensional. Percebi outras vidas num espaço bem mais
próximo do que possas imaginar. Não vi mortos lamurientos, decepcionados por
estarem no plano astral. Aprendi a não ter horror à morte. Pois vi Espíritos
lúcidos, felizes com sua condição de desencarnados. Esses espíritos, estavam dispostos a ensinar
aos vivos de carne e osso, que há muita luz no mundo. Comunicava-mo-nos por
telepatia. E quando me foi permitido, tive o privilégio de visualizar os Espíritos
que vinham me visitar todos as noites, velando-me a alma. O Dom da
clarividência vem do poder infinito que denominamos Deus. E só se consegue
contatar esses Mestres Espirituais através do amor e da caridade. Todos somos
capazes de desenvolver nossos poderes psíquicos. A meditação, o yôga, os
exercícios relaxantes, a respiração equilibrada, a fé e o prazer em viver, são
alguns dos princípios básicos para se conseguir a paz de espírito. O sopro de
ar ou aura, como é mais conhecido, é a energia do cosmos que envolve todos nós.
Através dela e da denominação de suas cores, pode-se saber muito sobre o estado
da alma de alguém. O corpo é o reflexo do Espírito. Por isso a visão do sopro
de ar indica amores, paixões, felicidades, doenças, prazeres, tristezas, e uma
gama de sentimentos que vai do Etéreo aos chakras. Esta manhã acordei
vomitando lama e fiquei o dia todo presa ao sanitário, sabe. Para conversar com meus
mortos, psicografei textos belíssimos, de um lirismo e sensatez inebriantes.
Mas não pude pronunciá-los ao anoitecer, porque regurgitei a alma o dia todo. Decidi
que nesta madrugada renascerei muda. Quero viver o silêncio. No passado tive
orgulho de mim e de todo esse desejo de ser guia das multidões rumo ao Paraíso. Logo eu, que muitas vezes morri por anos inteiros, logro salvar a humanidade. Logo eu que vivo sepultada, desejo sentir o coração do outro batendo no meu peito. Verdadeiros homens não se
fazem por belas palavras. Mas por belos atos. Quase perdi meus Dons por não
saber conter as palavras…
Por isso o silêncio é tão importante para mim.
Mil anos
depois, lá estava ela a conversar com si mesma…
Obrigado por
me honrar com prerrogativa. Sou-lhe grata por me deixar fazer o que tenho que fazer. Amar-te. Eu não faria nada, nem em pensamento, que magoasse você. Porque eu
te amo, entende. Quando saí do Céu em direção à Terra, sabia que algo mudaria o meu destino. Algo que ao
chegar aqui, esqueci. Mas que agora ao lembrar, reencontrei a alma que nasceu
em mim. Nasci de novo, sabe. Missão cumprida. Chama-me de volta. Já posso voltar.
Dias antes de partir, Girassol banhou a própria alma, e estendeu-a como se fosse roupa lavada à secar. Isto posto, Girassol foi embora
do planeta Terra.
A vida é um helianto descansando na
ácida chuva de um inverno inesquecível, colhendo girassóis.
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TODOS OS DIREITOS AUTORAIS RESERVADOS BY BETTO BARQUINN
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Hey Betto Barquinn, do we know each other? Li a sua conta no Blig no qual vc me citou juntou com diversas outros amigos que conhecia no final da década de 60. Estou vivendo em Brasil há tempo. Veja material publicado no revista Trópico no site UOL. Escreve para mim. Abraço Michael.
ResponderExcluirRevista Trópico:
ResponderExcluirhttp://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/2989,1.shl