ESPAÇO QUADRANGULAR DO TRIÂNGULO REDONDO
Ella acreditava em Cupido. E sonhava que o mar lhe traria um novo amor. Mas esperar não era uma de suas virtudes. E sempre dizia que a paciência era o seu limite. Tinha caracóis na cabeça e vento nos pés. Andava tanto, que ninguém duvidava que se continuasse assim, daria a volta ao mundo. Mas Ella achava mais romântico se fosse num balão.
Era mulher de poucas palavras e muitos gestos. Quando falava, trançava as mãos em verso e prosa. E não havia quem não se apaixonasse com tamanha explanação. Seus olhos corriam o espaço, acompanhando cada movimento alheio, sem perder a emoção. Dizia que se a vida ia devagar, não adiantava reclamar. Sempre tinha erva no bule. E ainda haveria quem a acompanhasse para a hora do chá. Sempre às cinco!
Quando Ella vasculhava os bolsos, a procura de uma moeda, sorria. Tinha tantos cobres espalhados pelos cantos das roupas, que se divertia, ao tentar encontrar. Em verdade não era rica. E isso não tinha a menor importância. Se tinha pão: repartia a massa. Se tinha leite: fazia chocolate quente. Se tinha fermento: assava um bolo. Para Ella tudo era muito simples. E sempre repetia que a beleza está no olhar. Na forma de sentir o inexplicável. E não na cor dos olhos.
A menina de voz rouca e corpo amanteigado era incapaz de falar com quem amava ao telefone. Dizia que a conversa partia de uma troca. E para tanto, desejava o olho no olho, o toque no toque, o suor das mãos. Aprendeu a reciclar tudo mexendo no lixo. E não tinha reservas ao dizer que o lixo era a sua vida. Fazia a arte do inesgotável. E nunca se cansava em dar vida ao que fora jogado fora.
Ella era feita de pernas. Narinas. Pelos. Visceras. Córneas. E muito mais. Era acalanto. Insensatez. Calmaria. E vendavais. De tanto conhecer o mundo acabou sendo notada pelo Cupido. E encontrou o amor. Então Ella voltou para casa montada numa bicicleta branca, enladeada por ele, a quem batizou de Príncipe-Sapo. Aquele momento era encantado. E embora não fôsse mais jovem — decidiu viver como adolescente. Abriu as janelas. Varreu a poeira para debaixo do tapete. Trancou a porta. E viveu encantadoramente amada, até os mais tenros dias, que não são mais atuais.
Quando Ella se casou, deixou um bilhete para os amigos, vendeu a casa, fechou as janelas e as portas, largou a poeira debaixo do tapete. E foi para India. No bilhete dizia que não sentissem saudade. Ou se sentissem, que olhassem para uma flor, e sem arrancá-la, tocassem nela com a ponta dos dedos, que Ella estaria ali. Partiu para o Espaço Quadrangular do Triângulo Redondo — na Terra do Nunca. E guardamos na memória a imensidão do seu abraço. Que de tão largo, alcança-nos à distância. E aonde estivermos, — Ella também estará.
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Betto, você é um ser humano fantástico. Além de ser um homem extremamente íntegro, você ainda consegue, na vida pública, manter a mesma honestidade que mantém na vida particular. Transparência, humildade e ética é isso! Parabéns!
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