DOGVILLE
Finalmente me convidaste para sair. Cinema. Este foi o convite. Sim. A resposta. Eu te amo a tanto tempo, que acho que minh'alma em ti já grudara. Te amo tão verdadeiramente sólido, que por ti, viveria em plena felicidade até o último dia de vida. Te amo. E não imaginas o quanto mudastes o meu roto destino. Te amo. E depois de ti, transformei-me em presentes, em flores, em pares de dias felizes e plenamente constantes, em um homem tão cheio de ti, em alguém capaz de amar. Depois de ti, a vida passou a comportar-se deliciosamente bela e privilegiosa. Depois de ti – há vida.
Cinema. Esse foi o primeiro encontro do resto de nossas vidas. E lá estava eu... Desarmado até os poros. Vivo demais para ocultar-me entre máscaras. Amando até a poluição, engarrafamentos, ruas lotadas de gente e carros. Amando não ter dinheiro e viver em plena guerra civil no país do carnaval social. Porque estava a teu lado com tanta força, que o planeta poderia acabar em um segundo, arrastando-me para o fim do mundo, que se junto a ti estivesse, nada derrotar-me-ia. Levar-te-ia em meu coração, enbrulhando-te em amor, como num manto sagrado – divinal.
Odeon Br: O cinema. Dogville: O filme. Nicole Kidman: A atriz. E que história! Nicole Kidman é linda e talentosa – de fato mereceu ganhar o Oscar anos atrás. Que película memorável!
Adorei esse longa por tantos motivos, que nunca mais os conseguirei expressar em arcaicas palavras. Sentimentos que estavam presos à meses no oco da minha existência. E que fizeram um buraco enorme dentro de mim. Dogville mexeu e remexeu com minhas entranhas com a força de mil furacões contra um moinho. Algo muito denso gritou dentro de mim no cinema. Fui arrancado do corpo, deixando a alma e o coração expostos. Um saca-rolhas moral, despedaçou-se contra a minha fé. Fazendo-me sussurrar em berros, roto e vertiginosamente caído na poltrona. Uma lei de gravidade marcial, condenando-me a só dizer a verdade, vivendo por ela, como se só assim, houvesse saída em mim, para as suas entradas.
Olhei a ti, enterrada junto a mim na rubra poltrona de couro do Odeon Br, e percebi que também fôstes pega pelo inevitável. Arrebatada por seus anjos imaginários, dóceis em meio a uma fúria dilaceradora, que rasgou-nos a aura com dentes de sabre, até que virássemos pó. Estávamos em cinzas, expondo-nos a cada cena, arranhados e pisoteados por tudo que víamos em tela plana, mortos e ressuscitados num feixe de luz cortante e voraz, feito lanças jogadas em lâminas de navalha.
Sumimos na escuridão da sala, quadro após quadro. Tudo o que pensamos estava ali, – servido numa bandeja de carne humana, – arrancando em suspiros as idéias das nossas mentes. O nosso amor não poderia ser comum. Ao invés de um filme de amor, cheio de glicose e aspartame, escolhemos assistir a um filme sociológico, pintado de féu em neve. Um soco na face do novo mundo, com toda a imoralidade do capitalismo-carcará: Pega, mata e come! Carcará!
A película desencadeou-nos tantos sentimentos, horas a fio perdidos num mar de lama, alicerçando nossa vã e trôpega moralidade saudosista. Logo eu, que sempre achei legal ser tão pasmado, irritei-me com a minha vertiginosa falta de bom senso. Sem discursos convincentes, entreguei-me a contemplação. Sobrevivi a fúria que assolava-me, removendo-me os gêneros, fazendo de mim, o motivo que traz-me sorte.
Saímos do cinema ao som de “Young Americans”, na voz de David Bowie, eternizando-se em nossos ouvidos mocos. Por mais forte que seja a letra, “Young Americans” também é imagem, tornando-se assim, a música da nossa vida: O tema de uma história de amor que começou numa sala de cinema. E de ti e de mim. O nosso amor numa planta de cidade. A plasticidade de nossa cidade-arquiteto. O nosso cenário de vida, riscado no chão com giz de cera. E a sensível experimentabilidade de virtudes em polvorosa, – legando-nos sonhos em espirais de desejos legitimados no éter.
Vestimo-nos com nosso melhor sorriso, deixando a felicidade entrar em nosso nômade coração. No tocante da supremacia de nossos sentimentos, percebemo-nos merecedores de raras vicissitudes. Na vibração em que estávamos, o amor foi como um longo acento grave na palavra amar. Foi a derradeira vez, que sentimo-mos nossos. Somos pessoas do bem. E sabemos concretamente o que isso significa: Não consentimos a ninguém, o poder de odiar-nos. O poder de derrubar-nos. O poder de fazer-nos sofrer. Sabemos que se fôssemos iguais, eu seria branco e tu serias negra. A diferença faz-nos perfeitos. O amor torna-nos eternos. E a vida... Bom, a vida é o que vejo pintado na tela dos teus olhos.
“Preocupe-se com a humanidade. E não apenas e tão somente com o seu pequeno umbigo” – disseste-me. “Não desejo nada a ninguém, que não seja conseguido através do amor. E não falo de mim nem do meu umbigo... Falo de algo maior, só seu e meu. Falo do momento exato em que os nossos olhos se viram pela primeira vez. Falo de fazer amor com quem ama-se. Falo do meu melhor orgasmo. Falo de sensibilidade, arrepiaduras, frio na espinha, taquicardia”.
“Falo de lágrimas ensopando lençóis. De suores e orgasmos em lençóis de linho bordado. Falo de línguas e bocas entrelaçando-se. Falo de alguém que nasceu para mim. E do milagre de ter nascido para alguém. Dessa família que formou-se hoje dentro do nosso coração. Falo de Dog Ville e de nós. Falo de nós”.
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Faaaaaaaaaaaaaaaaala Betto! Blz?! Cara, assisti Dog Ville numa mostra de cinema na semana passada, e agora bisbilhotando seu blog, descobri esse belo conto. Muito maneira a forma com que você escreve. O sucesso é só uma questão de dias, meu caro. Abração!
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