A RATOEIRA



Estava naquela sala tatuada e colorida, com todos aqueles fios colados entre canos e estruturas metálicas retorcidas, absorvido na verborrágica conectividade de tubos de ensaio; arrumados lado a lado, formando um porão sensorial de pensamentos embalados à vácuo. Distintos e únicos, homens e mulheres manchados de insensatez, numa peça de barbante azul. Pensei estar numa vernissage,  dedicando-me ao árduo ofício de ficar parado sobre argila fresca. Fiquei ali meio colado, meio em movimento, experimentando sabores e calores, até me dar conta de que estava não onde pensava, mas numa espécie de plataforma de petróleo sobre o mar; navegando no seco, flutuando no solo, caminhando com os dedos soltos no ar. Aquela experiência tocou-me profundamente. Afundo-me nos desertos densos dessa lembrança, adentrando nos limites da superfície do que sou, para voltar a mergulhar no que há dentro de mim. Entretanto, dele ou dela, nada sei.

Saí daquela sala regurgitando-me no teto, e corri ensolarado entre os azulejos grávidos e rejuntados de mim. Ouvi meus gemidos acinzentados, desmaterializando-se na inutilidade da minha própria sombra. O gosto amargo de estar preso nos braços da condenada liberdade, aprisionou-me. “Carpe Diem”  pensei. Virei um objeto inanimado. Era eu ali, amarrado entre carrapatos de gesso, fazendo parte daquela instalação sobre as águas, absorvendo mais do que os sentidos me permitiam. Sendo seduzido pelo oco chamado do vazio, que se aproximava e se distanciava de mim, com o toque de dedos mortos, que confesso imaterializado, não eram meus.

Aquela plataforma de petróleo era minha única amiga, e aquele mar; imenso Omar, meu único amor. Eu era o apropriado, o decantado, o evaporado, o condensado, o erosivo, e o que seria solidificado em hemácias quando voltasse a abrir os olhos.

Ficar ali por horas somadas à extintas décadas de uma vida infinda, fez-me desenhar certezas nas ondas, e desencantos no céu. Eu via Arte em tudo que me observava, desde as tristezas de ferro no chão, aos inconfessáveis prazeres que molhavam-me a fogos de artifício, a incontinência da alma. E eu, um homem removido ao avesso, exausto e revigorado de tanto amar, sentindo os prazeres da carne dentro e fora da alma. Sim, ali solitário e roto, pisando descalço num fio desencapado de 220W. Senti desejos e ebulições vulcânicas capazes de causarem inveja àqueles de alma emprestada; imprestáveis que só, da raíz dos cabelos ao pó dos ossos.

Eu fui lá no verde-azul do mar e experimentei-me. Bebi nas artes visuais e tomei meu contentamento. Pisei em pregos e conheci o tétano. Cuspi fogo. Engoli sapo. Levei ferro. Agora me toco aqui, bem no meio do indecifrável, com os nervos à flor da pele. Hoje, minh’ alma serena voltou a ter orgasmos. Aprendi a gozar na boca do mar.

Oh, Omar. Por que achas que do verbo amar, só tenho eu, o sufixo mar? É por isso que não sei amar, só porque amo o mar? Insistes em me rotular? Insistes minh'alma roubar? Não é porque teu amor não sabe ser amado, que aprendi a amar errado. E quer saber… Quanto mais falas mal do bem que há em mim, mais minh’alma cresce. Enfim, a grandiosidade do outro Omar, não se mede do osso do pé ao osso da cabeça. Mas da alma do homem até o Céu, que é Deus. Ninguém é só uma mancha urbana na imagem do satélite. Todo mundo é alguém. Todo alguém é uno. Dos. Trés. Cuatro. Portanto, larga essa solidão que não te pertence, Omar. Dois é sempre a fórmula perfeita do amor. Maktub, Omar. Maktub. Alea jacta est… Mas tu, que és incapaz de amar, ignora o outro. E daí para cima, o cérebro vazio. E daí para baixo, o coração despovoado. A ratoeira do mundo somos nós, Omar. O vazio existe. Entretanto, só por te amar; marejado que sou, me libertei.


Sou feliz, Omar. E isso dói. 


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Comentários

  1. Voce é um gênio, cara! Parabéns!

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  2. Um prazer enorme vir ao seu blog, Barquinn! Os seus textos são ótimos!!! Abs!

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