TRASH VALENTINE'S DAY
Asshole! Mônica ouvia "Good Charlotte" do Hold On, enquanto jogava no lixo pedaços de sua vaidade. Tinha feito tudo errado e ninguém havia entendido nada. Passou de V.I.P à V.U.P em segundos. E quando acordou; o cadáver ainda estava vivo. Achavam que ela era uma coisa. E Mônica só queria ser humana. Tinha devorado "Confissões", de Santo Agostinho, e estava com a alma em ruptura, precisando de goma para se colar. Uma mulher madura em situação de risco, repensando suas escolhas, numa cama flutuante sobre as águas. Tinha medo de não ser amada, de ficar velha, solitária e deprimida, de não ter filhos nem marido, de no infausto caritó quedar-se. Vivia amassando palavras com o freio da língua, perdendo-se entre oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas. Não queria magoar ninguém, e pensava tanto antes de terminar um namoro, que quando abria a boca já havia acabado. Mesmo assim exclamava: "Se você não gosta de filosofia, não se case comigo!". Certa vez, quando indagada por uma amiga que sofria de insônia-amorosa, respondeu de seu recamier: "Em noites de solidão, pague alguém para dormir com você!".
Mônica era uma mulher desnuda com um 38 nas mãos, pintando as unhas de tinto vinho de sangue, numa geladeira cheia de ratos. Ela tinha sido criada no porão de uma casa funerária, e gostava de maquiar os amigos como se eles estivessem mortos. Dizia ter tido muitos problemas ao nascer. Por isso achava a vida tão fascinante! E completava: "Depois do estupro e de oito abortos, mamãe resolveu se endireitar, e largou as drogas… Vítima de talidamida, via no corpo de mamãe, a marca da alma de uma mulher desconfigurada. Sete meses depois, eu nasci… Mamãe dizia que eu era filha de um mascate, a quem ela, mocetona, amava de graça. Mas tinha atendido a tantos clientes naquela noite suja, que ao ver escrito na certidão de nascimento: pai desconhecido, cheguei a conclusão de que sou filha do improvável".
Quando perdeu a mãe, sentiu o espírito só. Perda e solidão são sentimentos escuros. Solitários. Daqueles que até a luz se afasta, por medo de cair também na escuridão. Assim, com a alma empalidecida, dedignou-se aos acontecimentos, sem deles querer libertar-se. Nas mãos, cinzas da foto tirada com a mãe, dias antes dela ir morar no céu. Esse pensamento serviu-lhe de azo para evolar-se, sendo-lhe um alívio acorrer à ideia: "Morar no céu..." Achou-a tão linda, que deixou-se aproximar-se pela luz. Não estava mais só, embora ainda sofresse um pouco, multiplicando-se ao infinito em proscinema. Agora sabia que a mãe estava bem. Estava no céu! Ambas estavam livres. E sabiam que nunca mais teriam espíritos sós. Viveriam; somente... Assim o tempo passou por Mônica: Com absoluto domínio da palavra. Ela era o esboço de uma cortesã de Molière, desenhada com barbante em papel manteiga, com o sorriso primitivo e plástico; congênere ao de Monalisa. E não sabia… Ela era feliz e não sofria. Feminina, precisava tatuar-se a si mesma, em palavras concretas e abstratas. Ou, masturbar-se com destreza, em parábolas, como pedras à abrirem estradas. Ela não era nenhum objeto sexual com TPM, vivendo num modo artificial de vida, dentro de uma juke box. Mas as vezes acordava tão vazia, que era impossível achá-la em si. O sobejo de uma vida de sentimentos duros. Esmaecidos. Esfarelados feito pão dormido. Alérgica ao látex, aposentou a camisinha masculina, rendendo-se ao encantos do poliuretano. E antes que o parceiro fizesse algum comentário que lhe confrangesse, disparava: "Se toda mulher tem que ter ao menos três camisinhas na bolsa; prefiro as femininas. Passado o mau estar, vamos transar?!".
Ela queria ser amada com 'KY'. Não acreditava em príncipes encantados, mas bem que eles podiam existir. "Imposible is nothing" — miava. Para ela o amor era um céu de mármore azul, refletido num chão de estrelas espelhadas. Sonhava viver esse sentimento orgânico no surrealismo de Gaudi. Pois sentia que o amor era a soma de detalhes em todas as coisas que não parecem ser reais: Mudando com o ato de observar, o objeto observado. Enquanto ouvia "O girassol" do Ira!, Mônica chorou ao dar-se de frente com sua pequenez. Chorou de saudade de si mesma. Desejava ser útil aos outros, permitindo-se negar-se. Ser e não ser. Eis o amor!
Mônica havia cortado as asas de sua “mosquinha azul” a tantos anos, que de como era voar esqueceu-se. Uma tristeza tão profunda que dá até tesão! Martirizava-se por não ter afeto. Por ver as amigas felizes com seus namorados bem dotados. Por querer ganhar rosas colombianas de regalo. Por ser linda e só. Sempre só.
Mônica era uma menina vestida de mulher à carradas. E sabia que onde se ganha o pão, não se queima a rosca. Buscava um Dom, um companheiro, a comunhão de dois corpos cheios de alma – procurando seus pares. Desejava não ter mais que mentir, nem por brincadeira. Queria ser simples, odorante, desengonçada, boba, encapsulada, noir, melancólica, tosca, bitch, destroçada, espasmódica, hyper, encarniçada, desarrazoada, ácida, escoiceada, absorvível, escogotada, proscrita, fotista, boneca, inflável, salobra, crepusculada, victim, ninfomaníaca, vigoréxica, descarnada, semafórica, ressacada, bodeada, deflorada, transgressora, voluntariosa, over, irracional… E ainda assim, ser admirada por si mesma. Estava cansada de viver com a máscara de matéria moderna, intelectualizada, móbile, opaca e aparente. Queria ser translúcida pelo resto da vida, com alguém ao lado que pudesse amá-la, só por ela ser Mônica. Mas cansou-se de procurar amores imensamente humanos nos banheiros do Burger King. E ficou paralisada num canto — a esperar.
O Dia dos Namorados chegou. A procissão passou com a alma na berlinda, disposta em matéria espiritualizada. E Mônica ali — grudada na parede feito ventosa, esperando o amor chegar. Ela era uma raposa, aliás, uma alcatéia inteira, com lobos famintos querendo carne. Dizia que para quem não tem cão, gato siamês é rotivailler. Sua expressão verbal, falava, em diversos sentidos da forma. Plasticamente correta, fez moderna a síntese de si mesma, pintando "abapurus" em "tarsilas". Mulher à beça, chacoalhando no escuro com o odômetro ligado, deixando as pilhas do vibrador com taquicardia. Criando peixes hidrófobos aromatizados com ervas, numa bacia de alumínio. Maniqueísta-mallarmista, praticando Car Jump num Ciber Café lotado de neoplatonismo. Menu: Ravioli de alcachofra com presunto de parma, torta de cupuaçu, elegantemente amarga, sorvete de beringela, suflê de amora ao molho de piqui. E de sobremesa, nectarina, croissant de cereja com algodão agridoce. Assim era Mônica… Uma mulher multi-uso à margem do diferente, gritando verdades em soluços, baleada, e com um rombo na alma. Lançando um olhar inteligente sobre si mesma, dizendo: "Se eu fosse onipotente por um dia, trocava toda a história da humanidade, por uma xícara de café com leite…". E completava: "Aos amantes do Orkut, capuccino com chumbinho! Eu sou um intelectual! Por premissa, habita em mim um ser de escol. Superlativo. Escoimado. Inteligente. Meu gênero salutar fala o que vem à cabeça… É só uma questão de gosto pela forma! Não fui criada na Ilha da Fantasia, chamando anão de Tatu… Prefiro espíritos em carne e osso, desmaterializando-se ante a mim, em noites brancas. Mas não se assuste com o que digo… Para pessoas anormais, sou completamente louca! Sempre falta alguma coisa quando se destitui a alma de sentimentos artesanais. Não quero o meu ser industrializado, seriado, pasteurizado e embalado à vácuo, feito gente rotulada na prateleira do supermercado, na seção dos perecíveis em promoção. Sou anti-superficial. Detesto parcerias virtuais!".
Mônica queria crescer até virar semente. Desenraizada. Extraída da gengiva feito dor de dente. Convertida de colorida a preto e branco pelo Photoshop, após orgias de respiração mental, perplexidade nefanda, e algumas dúzias tortas de ovos de codorna – passados. Depois de anos colada à parede, viu chegar à porta, alguém por quem valeria a pena se mexer. Alguém que andava com a fé no chão e o plexo no alto. Um homem postural, moldando-se à massa de um corpo encolhido. Àquele que permeava seus sonhos, enchendo-os de vidraças ensolaradas. Um macho cheio de acentos graves no sotaque, como um animal indomesticável. Esse era o seu príncipe, materializado em testosterona, sob a braguilha. E ao poucos, ela foi tomando forma de mulher, feito fêmea no cio. Mônica saiu da parede, arrastou-se até o chão, recolheu a alma do teto, limpou o salto das botas, lambeu as sobrancelhas, esqueceu-se da celulite, ajeitou os ombros, colocou a cintura no lugar, passou corretivo nos lábios, e sorriu. Sabia que com aquele ali, jamais passaria um dia dos namorados ruím. Sabia que ele era um homem de verdade, que honrava as próprias calças, com a masculinidade acentuando-se por sobre a camisa de pelos. Mônica jogada no chão, juntou-se em pedaços pequenos até ver-se completa. Sim… Ela era linda. E sabia que nunca mais seria só. Ele estava ali parado a sua frente, com os joelhos na direção dos seus. Mônica entendeu o sinal do cupido, e nua aproximou-se dele, até tocá-lo no céu da boca com a língua. Fizeram sexo ali mesmo, enquanto Mônica dizia em êxtase: "A inteligência é o afrodisíaco da alma! O amor não pode ser criticado. O amor é! Gosto de tudo que é doce, transgênico, plástico e artificial. Gosto da harmonia das análogas, quando disserto-me ao vivo e em cores. Gosto de harmonias visuais e harmonias invisíveis. Gosto de policromasias monocromáticas. E da junção de cores numa palheta sintética. Gosto do pertencimento da palavra. E de indivíduos não objetos. Porque o pertencimento que tu me destes, vou preservar". E ele completou: "Amor. Esse sentimento autêntico-falsificado; que me faz tão bem... Já não posso viver sem isso! O amor é a gênese da vida na eternidade da alma! Com você o tempo perde o seu contexto. E o céu, nuvens que só, teoriza em mim; olhos expressionistas. Ditosos. Injetados em estrelas decepadas... Comovido e arrepiado que só… Isso é ser feliz! Quando amo, amo. O amor em mim dura o tempo de uma prece. Preciso de amor como de água, para afastar de mim essas vidas-secas… Deixe com que os invejosos sucumbam ao próprio ego. Aí você pode arrancar o chão deles, e deixar com que fiquem sem ter onde pousar os pés. Se quiserem chegar ao topo, que aprendam a voar!".
Eram dois pensadores milenares, engolindo-se na cama, fazendo sexo com o cérebro. Chegaram ao orgasmo ao som de "Sem cansar" do Capital Inicial. E gozaram tanto, que do teto pingava um pouco dele, um pouco dela. Gozaram tanto, que a tinta das paredes escorria para o chão, feito Mônica em partículas tomando um copo de leite. Quente! Gota a gota. Um pouco dela ali na cama. Um pouco dele aqui na boca. E uníssonos sussurraram:
Meninos ou meninas, se namoram a meninos ou meninas, sejam felizes!
Finalmente Mônica encontrara a si mesma num peito peludo, gemendo: "Há um ser humano, afinal, dentro de mim".
Ela sentia-se como filigramas em aquarelas. De tudo que sentia, fora amor, só amor. O amor fora o único sentimento que não lhe abandonara. Vivia um amor-conjunto em sua harmonia visceral, envolto em belle époque. Ver-o-peso. Durepox. Blowjob. Darkroom. Lollipop. Camisinha. Vênus de Botticelli. Superbonder. Crazyglue.
A moral da história é que Mônica e seu Romeu não tinham moral nenhuma. Por fim, começaram a cochilar ouvindo "A Dois Passos do Paraíso". E já estavam no céu.
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Genial, só pra variar! O seu talento é um colosso, Betto! Parabéns!
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