MEMORABILIAS
Voilà...
Quando me faltava você, parecia que a vida tardava em chegar. Era a voz de Compay Segundo no audio, um puro entre os dedos, e várias doses de rum no fígado. Profundos dias minguados, rastejando às escuras, em noites cheias de insônia. Era o quando do quanto que me faltava você. E eu lançado feito homem-bomba numa supertela vazia, com tinta vermelha escorrendo do peito até as bordas. Descendo pelas entranhas. Da raíz dos cabelos até o fim do chão. Assim era eu – um deficiente vegetal. Uma árvore que cresceu só raiz. Uma raíz. Uma árvore-raíz e só. Uma árvore só. Indo do solo ao teto – sem subir pelas paredes. Quando me faltava você.
Minh'alma você, exposta numa caixa de Toscano. Feito vidas episódicas à beira aferida do cóccix do furacão. Restos de parcimônia em prateleiras lotadas de zurrapa. Sou tudo aquilo que me abastece. Mas sem você – era feito gente em promoção. Agregando valor à matéria. Deitando-me com a loucura. E acordando com a esquizofrenia. Um amante-patológico com sentimentos elásticos. Movidos por aprofundamentos imbricados. E acordos inconscientes. Um herói frágil... Fraquinho. Quando me faltava você.
Quando você chegou – achei meu coração no lixo. Preso num coisário-relicário. Cheio de memorabilias. E eu, que jamais procurei o amor – esperei por você. Que buscou-me no Balé dos Espíritos dos Sentimentos Mortos. No dia em que fugindo de mim mesmo – acabei te encontrando. Um catador de corações-recicláveis, perguntando-te:
¿Y tú, qué has hecho?
Um coração sem respostas. E um pedaço de alma mofada. Porque faltava-lhe você – em mim.
O importante é a pena. O resto é história.
Quando quero esquecer a pena – uso a amnésia. Quando quero esquecer a guerra; ética. E a solidão: Pena.
A pena é o único sentimento que não me dá dó.
Chegou-me então você, como um vaticínio, dois dias depois do fim do mundo. Ao meio dia do nada. Longe demais para me perder. Perto demais para me encontrar. Assim encontrei você. Gritando a letra de um velho bolero cubano. Vendo a foto de Compay Segundo na capa do vinil. Tentando entender o quanto esse homem-simpatia; amou. Pois segundo Compay – amar é superar a própria eternidade. Ou, o presente absoluto. Flagrei você – tomando mojito com folhas de menta. Adoçando a vida com Aunt Jemima syrup. Tocando a outra face do outro – com a ponta dos dedos. Buscando um orgasmo etílico-dionisíaco. Fumando um charuto falsificado – como se legítimo Puro fosse. Você. Que me fez esquecer o quanto sofri – fazendo-me confessar o inconfessável. Vivendo feito trapos na sacristia do inferno. Quando me faltava você.
Aconteceu-me você. Porque ninguém sente a minha dor. Nem vive as minhas alegrias. O ser humano não é fator de comparação. Portanto, não sinta nada por mim. Não quero o meu cúpido polígeno – na iconoteca da sua poliandria. Meu coração foi criado a vida toda numa jaula – encadeado até a alma. E quando foi solto, machucou uns três corações. Partindo-os... Um masoquismo na alegria. Um farelo na aura. Um sentimento de não se ter – nem a quem se dar para receber. Um sentimento de não ter sentimento... Parece vaidade do ego, mas quem viveu o ranço dos afetos caídos como eu, sabe até o que não capitulei... Senti febre no espírito. Na ausência de ti. Ausente de mim. Ausente de si em mim. Era eu então – um homem sem pecado. E um homem apagado. Enfim, um homem sem passado. Assim em mim, sorrindo em versículos, chorando em atro-portento. Trocando sonhos por pesadelos. Gritando tão alto, que a única coisa que se ouve, é o silêncio de uma alma sem som. Num corpo sem voz. Assim era eu. Quebrando de lado... De ladinho. Um chiste triste... Tristinho. Quando me faltava você.
O importante é o amor. O resto é história. Quando quero encontrar o amor – uso o coração. Quando quero encontrar o céu; estrelas. E a você: Amor. O amor é o único sentimento que não me deixa só.
Don't leave me alone... Jemima.
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TODOS OS DIREITOS AUTORAIS RESERVADOS BY BETTO BARQUINN
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Magnífico esse conto, Betto! Li esse texto para os meus amigos aqui na Inglaterra, fazendo a versão para o inglês, e eles ficaram impressionados com o que ouviram. Você tem um talento fora do comum, amigo. O mundo precisa conhecer a sua Obra, cara. Fui numa feira literária ontem aqui em Londres, e não vi nada que se comparasse ao seu texto. Você faz parte da nova safra de artistas internacionais. Seu texto é clássico e pop ao mesmo tempo. Agrada todos os gostos. Além de tudo seu texto é super comercial sem deixar de ser poético. Business is business! Você com seu toque de Rei Midas, tudo que toca vira ouro! Meus parabéns, gênio! GOD SAVE THE KING!
ResponderExcluirSeu texto é um clássico, Betto. Você consegue ser melhor a cada dia! Parabéns!!! Bjs!
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