O maior
esforço que tive que fazer na vida, Chorona, foi aprender a me amar. É mais
fácil apoiar-se nos outros, realizando os desejos alheios, do que olhar-se no
espelho e ser obrigado a tocar os próprios olhos com a ponta das unhas. Pois
quando estamos sozinhos, somos nós com nós mesmos. Não há máscaras. A
realidade é dura e cruel. Vonegutesca. Não precisamos interpretar, porque não
há ninguém olhando. A platéia está vazia. O palco é um buraco negro. As coxias
emanam o silêncio. O ator está só. O teatro e seus fantasmas moram dentro de
nós. E é absolutamente medíocre absorver a personalidade do outro, fingindo que
somos o que achamos que o outro acha de nós. A isso se dá o nome de loucura.
Somos todos loucos, Chorona. Loucos!
O caminho da
descoberta do meu eu levou-me à revelação: “A pessoa mais
importante do mundo para mim sou eu mesmo. Depois você. E outro, e o outro, e
quem sabe: os outros. É… não posso me apoiar no outro como se ele fosse minha
bengala moral, porque não é isso que o meu inconsciente (a alma) espera do meu
consciente (o ser carnal, mortal, material, aquele que estraga, morre,
apodrece). Porém ser eu mesmo, Chorona, levou muito tempo para acontecer.
Magoar-me não era o problema. Ser a imagem inversa do que esperavam de mim,
criava toda a guerra pessoal, que fui obrigado a deixar para trás. Valho a pena
porque estou vivo, Chorona. Sou importante porque guardo a verdade dentro de
mim. Esses foram os primeiros passos rumo a estrada que vou levar uma
eternidade para trilhar e compreender. Mas tinha que começar um dia. Não posso
passar a vida fugindo de mim. Por isso preciso começar agora, para ter ao menos
a esperança de ser feliz comigo mesmo, amanhã”.
Tudo
que nos leva além, mostrando-nos a pérola do fio de seda, é valioso. Meditar,
orar, brincar com as nossas lendas pessoais, dá-nos o equilíbrio cósmico que
tanto necessitamos. Ninguém cresce por acaso, Chorona. Não transformei a minha
vida apostando na sorte. Tive de encarar os meus defeitos, e buscar dentro de
mim, o que há de bom no outro. Ninguém vai me amar se eu não souber quanto amor
tenho para dar. Meus relacionamentos davam errado, porque me apoiava
tanto no ser idolatrado, que esquecia de mim. Só comecei a acertar quando
passei a me amar. A ansiedade sumiu. O medo tornou-se tranquilidade e paz. A sorte
voltou para casa e parei de apodrecer.
Não
sou propriedade de ninguém. Portanto ninguém é preso a mim. Nem por amor. Não
levo meus problemas para a cama. Não faço amor com o desespero. Ninguém me
perdoará pela minha fraqueza se meus sentimentos forem tão fracos quanto eu.
Todos temos as nossas limitações, Chorona. Nunca se arrependa por amar demais.
No momento
em que nos vemos livres, percebemos que podemos arriscar. Dar mais um passo e
sair do abismo. Não posso fazer ninguém feliz quando não há felicidade dentro
de mim. O amor é o único sentimento que nos acompanha onde quer que estejamos.
O maior erro que podemos cometer é esperar que o amor suporte as nossas
fraquezas. Porque a vida não é tarefa para perdedores. Na vida, só lamento uma
coisa: ter olhos que não enxergam. Por imprudência minha, olhos, não os tenho
mais. Por isso quis enxergar-te Chorona, mas não pude. Furei os olhos porque
fui fraco. Seguei-me porque admirava a escuridão. Agora, cego que sou, enxergo
bem mais que antes. Ao arrancar-me os olhos, tentando me enxergar por dentro,
descobri-me em você.
Já perdi
muito nessa vida. Não quero pagar duas vezes pelo mesmo erro. Descobri a
eternidade nas mãos do amor. E a felicidade no amor que fecundei em mim. A
solidão não me trouxe a luz que outrora desejei encontrar. Só amando percebi de
onde vem o milagre. Nós temos o que desejamos. Posso não vir a saber tudo, mas
o mínimo que sei, compreendo. Hoje sei quem sou, a que vim, e como posso tirar
do meu interior a minha alegria. O gostar de mim, Chorona, me trouxe de volta
ao presente. Esse é o vento que move moinhos, fazendo do amor a minha condição
de vida.
Vivendo
Chorona, descobri que para amar o outro, não é preciso estar apaixonado.
Descobri que o amor nunca irá nos fazer mal. Por isso, venho aprendendo a
gostar mais de mim, a me proteger melhor, a amar a quem me ama. O milagre não é
estar apaixonado. É perceber que o amor chega ao nosso coração no mesmo
instante que chega no coração do outro. Amar é entender que o amor idealizado
não existe. Mas que o amor verdadeiro, maduro, esteve o tempo todo ao nosso
lado. Amor é sentimento simples, Chorona. Mas nunca insignificante. Todo ser
humano tem o dever de aprender a amar. Porque quem vive sentindo-se superior
aos demais, acaba nos braços da solidão.
Então quem
eu sou? Um ser sem limites. Sou o ser sem nenhuma forma do ato puro do
Ser. Sou Aristóteles e São Tomás de Aquino. Sou homem e sou menino. Sou
tudo aquilo que posso ser.
Sou como você, Chorona. Sou homem e sou mulher. Sou negro e sou negra.
Eu sou um
lago cheio de peixes, Chorona. Do fundo à superfície.
Muito bom!!!
ResponderExcluirLindo! Qual o significado da palavra Venegutesca?
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