MACUNAÍMA




PRELÚDIO:

Amassaram o embaraço no meu descompasso. A cobra criou asas, voou, e me mordeu. O azar acordou com sorte. E quem sofreu fui eu. Lá fora, vejo ratos adoecendo na carcaça de minha gaiola. E aqui dentro, no fundo barroco do meu lamento, ouço o tempo. E me sento, porque não sei e não posso dizer-te adeus. No azul dos olhos teus  mora um anjo. Mora Zeus. Esse santo, que desce dos meus sonhos qual um manto: leva flores, traz histórias, me mergulha, me deflora, me abraça, me arregaça a memória. Faz-me transbordar feito oceano beira-mar. Faz-me amar, amar, amar.


Eu tenho medo do contrário de sorte. O antônimo dele mesmo  é quase morte. Ah! Ateu! Como me persegue este azar teu! A gaiola dourada fez com que a passarada, cegada, maltratada dos olhos, perdesse alma. Meu olhar de vidro, opaco que só, faz-me caminhar no limiar da vertigem e da sombra. Mas meu olho é bom. Vejo cego, vejo som, vejo vela, cego o som. Quisera eu, amar o amor como amei a ti. Quisera eu, calar a voz dos que esvaziaram-me de ti. Meu som não soa: Sua. Meu tempo não voa: Chove. Meu nada celebra o que não acontece aqui. Um minuto e nada. Um discurso e nada. Nada acontece. Vira logo nada, para que do nada me arrependa! Desce e vai chamar a polícia, o padre, o agiota, o delicado, o travesti. Vista-se ou dispa-se de ti! Separa a melhor roupa, se depila, manifeste-se. Precisas chegar bem ao precipício, se não os mansos te reclamam – anulando o seu perdão. Vai se joga, que lá em baixo só há sombra. E quando eu também me for, joga fora o cobertor, porque para onde eu vou  o frio não aquece. Não há dor. Sim Eu escrevo à lápis, pois não confio em caneta. Caneta borra, molha n’água, evapora, sua quente, estremece, rabisca a gente, eterniza, convalesce. Lápis sim: é um achado! Apaga fácil, fica parado. Executa, treme o rabo, sente medo, esborracha, amolece, sai da caixa, cai que quebra, a ponta desce, suga forte, emudece, sente fome, desfalece, come gente, vaporiza, sai correndo, vai embora, depois volta: sem saber que me devora.


INÍCIO DO PRIMEIRO ATO:


Macunaíma encontrou o Rei correndo sem cueca. E percebeu como era torpe o Bobo da Corte. Coroado, Macunaíma às vezes, acordava menina. E não ligava. Menina era bom. Tinha cheiro de melão  dizia. Quando cansado de menina se achava, acordava rapaz: feito macho que não sabe o que faz. Escrevia feito louco. Comia feito porco. Trabalhava. Trabalhava. Tinha sede de vingança. Vontade de fazer aliança. Medo de Papai Noel. Não ligava para o natal. Odiava carnaval. Só transava com boçal. Adorava sexo animal. Macunaíma quando homem, chorava por ter pau pequeno, por não ter nascido em novembro, por não ser bem-dotado como negão. Macunaíma era meio esquisito: gastava muito dinheiro com penico. Era  todo mal trapilho, desacorçoado, desavisado, quase um lapso. Um menino-fêmea com medo de Emiliano Zapata. "¡Viva Zapata! Um machista-racista com tesão no próprio saco"  dizia. Adorava sacanagem, putaria, perversão. Era todo esquizofrênico, mal-amado, perversão. Ria até da própria sorte: era louco por pagode, funk melody, forró, e samba-canção. Tinha sede de veneno, vomitava sofrimento, respirava excitação. Era lindo. Era calo. Era dócil, condenado, empregado e patrão. Um amor de ser amado, um ilustre descarado, supra-sumo do lixão. Tinha o bumbum arrebitado, esmagado, arrombado: feito cofre oxidado, alargado a maçarico, periquito, tico-tico, escorregando de tesão. E para falar a verdade, já passei daquela idade, de rimar com o pau na mão. Segue então a tal história, do Macunaíma, do patola, do sagrado, do profano, e levanta logo o pano, que o espetáculo vai começar!


MONÓLOGO EM OFF:

Eu mato. Você esfola. Não! Eu esfolo. Eu mato! Assim começa o Primeiro Ato. E por favor menina,  chega de rima! O cenário é uma Lan House vazia. Não há computadores, nem jogos, nem meninos-atiradores. Há um nada preguiçoso. Utopias e flores. "Janis Joplin não amava Jimmie Hendrix! Amava Dolores"  diz o Nada. "Nada diz ou prova o contrário"  diz o escaninho-operário. Já que acabaram-se as rimas, vou tomar anfetaminas, pois não sei que criancice, veadagem, esquisitice, fez-me escrever tamanha maluquice Macário acordou cedo e foi para o palco interpretar o primeiro ato. Sim ele vivia no teatro. Seu personagem imediato, era o de um velho lagarto, que sacudia a cabeça, toda vez que levava um choque de duzentos e vinte mil volts nos bagos. E dizia:

"Nunca faço amor sem camisinha. Gosto de preservativo para beber meus fluidos. Sêmen. Gozo. Leite. Salgado. Doce. Provençal!". 

A platéia chocava-se a ponto de defecar nas calças. Os mais discretos, vomitavam-se: discretamente. Outros, menos fadados a convencionalismos sociais, masturbavam-se de nervoso, enquanto Macunaíma ainda vivo, pedia pelo amor de Zeus, para tirarem-no dali. A gente misturava Mitologia Grega com Literatura de Cordel só para ver que merda dava. Todos aproveitaram segundo a segundo da estreia, pois sabiam que amarrado naquela cadeira-elétrica, Macunaíma não aguentaria muito tempo. Talvez não houvesse peça no dia seguinte. Talvez não houvesse segundo ato. Macunaíma feito churrasco, ardia no palco, enquanto a platéia urinava-se de prazer. Uma senhora grávida, gritava: "Morre logo porra, se não eu perco o bebê!". Uma prostituta ávida por sexo, drogas e dólares, revoltou-se com aquela cena prazerosa, subiu nua no palco e disse: "Se vocês gostam de carne queimada, tenho algo muito mais apetitoso, quente, saboroso, úmido e peludo, para vocês comerem! Atenção homens, copulem-me! Mulheres, entrem na fila!"  vociferava. Sendo retirada morta do palco, cinco minutos depois de arreganhar as carnes, assassinada por um bando de fanáticos da Congregação Universal dos Apedrejadores Redimidos. Um menino de doze anos, que nem deveria estar ali, olhou profundamente nos olhos cor-de-lente-de-contato da mãe, e exclamou: "Essa peça é uma merda, mamãe!  A senhora além de lésbica é louca! Qual mãe em sã consciência traria uma criança para assistir uma merda dessas! Louca, louca, louca!"  gritou e gritou. Disse tantos palavrões o moleque, que metade do público ficou surdo. A outra metade, suicidou-se. E os poucos que sobraram, retiram-no do teatro dois minutos depois de terem-no matado. 

{Fim do primeiro Ato}


O Segundo Ato começa logo após a retirada do palco, numa pá de lixo rasgada, dos restos mortais do ator principal. "Macunaíma está morto!" – grita uma viciada em heroína. "Morto!"  grita um charuteiro com síndrome de integridade intelectual. "Morto e daí?!"  grita um cego surdo-mudo, que não viu nem ouviu nada: mas não podia ficar calado. (Mataram o cego). Como a peça era um monólogo e o protagonista estava morto, esse ato, transcorreu inteiramente com música. Tocou-se de tudo: de “Insensível” dos Titãs à “Lágrimas de Chuva” do Kid Abelha. De “Janie’s got a gun” do Aerosmith à “I rish blood english heart” do Morrisey. De “Just like you” do Three days Grace à “Let’s get it started” do Black Eyed Peace. De “Tempo de paz” do Falamansa à “Lama nas ruas” do Zeca Pagodinho. De “Cuidado” do Barão Vermelho à “This love” do Marron 5. De “The hardest button to button” do White Stripes à “Shiny happy people” do REM. De “Under pressure” do Queen à “Anything” e “Things will go my way” do The Calling. De “Nobody home” da Avril Lavini à “Re-Arranged” do Limp Blizkit. De“St. Anger” do Metallica à “Down” e “Always” do Blink 182. De "Trouble” da Pink à Come Undone” e “Feel” do Robbie Williams . De “Lifestyles of the rich and famous” e “Predictable” do Good Charlotte à “Peito Vazio” do Cartola. De “Envelheço na Cidade” e “Tarde Vazia” do Ira à “Carnival Town” da Norah Jones. De “Você” do Dead Fish à “Loadeando (Rude-boy) do Marcelo D2. De“Babylon by gus” do Black Alien à “Wish I had an Angel” do Nightwish . De “Bom é quando faz mal” do Matanza à “Histórias de uma Gata” versão Vanessa da Mata. De “Mantra” do Nando Reis e os Infernais à “Vertigo” do U2. De “Word up” do Korn à “Propaganda” da Nação Zumbi . De “Fields” do Maxi Priest à “Heartbreaker” da Mariah Carey and Jay-Z. De “Saiba” do Arnaldo Antunes à “Learn to fly” do Foo Figthers. De “Você pode ir na janela” da GRAM à “Princesa” do Ludov. De “Dreams” e “Ode to my family” do Gramberries à “Numb/Encore” do Linkin Park and Jay-Z. De “Miss you” do Rolling Stones e Justin Timberlake à “Coffee MTV” do Blur. De “Stan” do Eminem and Dido à “Vermelion part.1” do Slipknot. 

{Fim do segundo Ato}


O Terceiro Ato foi improvisado, já que ninguém mais sabia quem era ou o que estava fazendo ali. Dois meses depois do início da peça, os que sobreviveram, ainda estavam no teatro, comendo uns aos outros, de forma pouco literária. Mas com o sentido bíblico bastante avantajado, se é que você me entende. O público para lá de resumido, desmanchado, evanescido até o pó dos sapatos. Só uma velhinha sado-masoquista ordinária, que tinha uma vitalidade inefável, divertia-se com aquilo tudo. Sua sede de juventude era tão grande, que sonhava morrer com vinte anos, aos oitenta. Para tal, carregava no bolso, uma dúzia de dinamite em pétalas de rosas. Vovozinha-meretriz: pilhada até a ponta do pavio. Enquanto muitos enlouqueceram, trancados ali por tanto tempo, cheirando benzina e cola de sapateiro  ela lia. Lia pasquins de nu hermafrodita junto com clássicos do cabedal de “Cemitério dos Vivos”,  de Lima Barreto. Em momentos de insana lucidez, dizia entre uma página e outra: "Às vezes eu sinto febre na alma. Depois passa". "Eu estou açude de viver em amiúde. O ódio é o amor mal direcionado que soca a porta  feito adolescente de membro duro  esporrando esterco goela abaixo". Uma anciã cirurgiada, bizarra demais para ser verdade, anestesiada no tédio. Repetindo sem parar, com um cigarro entre os dedos queimados: "A melhor coisa do socialismo é ser socialista!". A velha falava de sementes de grama esmeralda e sonho visceral de consumo. Dizia que toda forma de agressão é um pedido de socorro. Resmungava que tinha tido sua vida amputada a golpes de impunidade vigiada. E preferia morrer presa àquele teatro,  a viver um dia sequer fora dele. Declarava que fora criada à base de leite de jumenta. "Por isso sou uma mulher tão forte, desmoronando de velhice",  gritava. "Eu que sou a parte mais fraca, tive que colocar o galho dentro do buraco! Que buraco? Aquele! Entendeu ou quer que eu desenhe?! Sou incrédula desde criancinha. Só acredito no que não acredito. Sou tarada por sexo! Devo tudo que tenho à três orifícios muito especiais (e quentes) do meu corpo. Entendeu ou quer que eu me masturbe?!".

{Fim do segundo Ato}


No Terceiro e Último Ato aparece uma vovó kamikaze, vivendo à base de admoestação, tomando seu 'brown com torradas', e imaginando o que seria se tivesse nascido clarinha do rego rosa, loira, rica dos olhos azuis, e com a vulva larga. 

FIM



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Comentários

  1. Pedro Paulo Montenegro14 de junho de 2010 às 20:35

    Betto, esse conto é coisa de gente grande. ENORME! Rs! Muito bem escrito, cara. Dá até para ver as nuances emocionais do personagem. Seu texto tem muita energia. Salta as olhos do leitor. Um filme passou pela minha cabeça agora. Aliás, imagina um filme com essa história... Lindo! Não vai demorar muito para o sucesso bater na sua porta, Senhor Barquinn. Abs, cara!

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