VÍSCERAS







De tanto te esperar Desdêmona, esqueci de mim. Olhei a estrada dos meus dias e não suportei a angústia de perceber que não vivi. Vegetei em prol de um amor fantasma. Um amor estepe, estanque, égloga, econométrico, antropofágico. Sofri por amor. Por um alguém que mal cheguei a conhecer. Mas que esperei.

Não me arrependo dos dias em que fiquei sozinho, imaginando como seria a sua volta - o que diria. Foram momentos de sonho e ilusão. Mas chega chega um dia em que se tem que acordar. Mesmo fugindo da realidade - um minuto de lucidez é o suficiente - para mostrar que é com os pés no chão que se anda. Joguei fora toda a minha dignidade. Perdi o orgulho, mas recuperei a auto-estima. Pude reencontrar-me no espelho, olhar dentro dos meus próprios olhos - entrar em mim.

Quando você se foi - morri um pouco. De que me valeriam os planos a dois, se eu teria que realizá-los sozinho? Te telefonei, mandei cartas - bilhetes. Ao telefone, só ouvia a gravação na secretária eletrônica. Das cartas - nunca obtive resposta. Já quis refazer minha vida, amar a outras mulheres, mas embora tente de esquecer - te amo. Caio no erro de querer encontrar alguém idêntico a você. Me desanimo. Fico sozinho.

Quando acreditava que éramos felizes, nunca tínhamos tempo para passarmos - momentos felizes. Agora que tenho todo tempo do mundo - não tenho você. Perdi a minha heroína, a pessoa que sempre soube me completar - meu anjo da guarda. Nunca mais serei o mesmo. Nunca quis me aventurar. Achei que o nosso gostar era sério. E que mesmo com as nossas intelectuais diferenças, éramos iguais numa coisa: Não estávamos brincando de casinha, fingindo ser - marido e mulher. Foi preciso levar um tombo para deixar de ser tão romântico. Hoje sou um homem com lesões expostas - sem meias palavras. Entre o abismo que nos separa - não existe quase nada. Somente duas pessoas que tentam viver sem sentido. E tanto de um lado, como de outro, a solidão faz história. 


O mínimo que podia esperar disso tudo - era a sua amizade. Sempre tentei ser o melhor possível - o marido ideal. Mas ideal para quem? Eu quis tanto acertar no amor - que não consegui te ver no amor. Compulsão. Sufoquei você com meus excessos. Logo você, uma pessoa de durabilidade impressionante, cheia de vitórias - linda! Errei por não saber ouvir. Por não saber calar. Perdão por errar. Se um dia quiser voltar, sou todo ouvidos, olhos, narinas, paladar - vísceras. Quando voltares Desdêmona, não bata à porta. Entre de vez.




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Comentários

  1. Quero ser igual a você quando eu crecer, Barquinn. Adorei o conto, gato! Que delícia! Beijo!

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