LAS BRUJAS DEL MOLINO SAN MANON




Os passos do intocado na alça da chaleira. A neve que cai no monte com a leveza do cata-vento girassol. A crueldade sensível legando aos quatro cantos o seu humor cáustico, a beira do sorriso lacônico e prolixo. Passei aos braços do universo, Madona, tendo em punho uma super-8. Na síntese da película, julguei então, fazer cinema. Filmar os povos e salvar os idiomas. Havendo a descoberta, cheguei à poesia da fala que não é unilateral, onde a imagem encanta quando não há palavras. E por ausência da restrição, simboliza um ato musical. Acordei após cem anos em coma, com vozes famintas, perguntando-me: "As bruxas também amam?". — "Sim"  respondi. — "Elas amam!".

Contei-lhes as visões que tive fora do corpo-físico: Desmaterializado. Vi as bruxas do Castelo de Chronos tocarem-se em círculos em nome de Manon. Um pácto de gozo e orgasmos. Queimavam o incenso levando o cravo à maçã. E jogavam as cinzas no jardim. Aquele que trazia em si, a harmonia, onde cada flor dizia-se, o equilíbrio. Através da diversidade tornaram-se plenas. Sim… Elas amam o pleno. Repetiram inúmeras vezes, o quanto ardiam quando tomavam a plenitude nas mãos. Era uma vida de portas fechadas e olhos vermelhos. Onde não havia lugar para o aborto, mas por medo do castigo, não nascia ninguém. Mulheres que engravidavam no Dia das Bruxas, e no quinto mês de gestação, àquele que antes era um feto, e por promessa tornar-se-ia um bebê, partia. Mas não sem antes arfar adeus... Úteros ressecados e movidos por sentimentos órfãos. Visão horrível, querida Madona. Horrível! Mas cale-se! Nada do que me disseres, parecerá ameno. Seria menos compreensível que atravessar o mar andando… Entretanto as bruxas em nada perdiam a coragem. Era o nada que tinham, do tudo que não eram. E só. Elas olharam-me nos olhos e completaram:

"Se você gosta das coisas fáceis garoto, esqueça. A bruxaria é um Dom. E não um jogo de sentimentos mesquinhos. Esqueça os seus hábitos antigos. No dia que olhares uma pedra, e compreenderes o poder da rocha, então serás um bruxo. Se sentires incapaz de olhar para uma flor e enxergar além da sua forma física, então esqueça. A bruxaria voltar-se-à contra você!".
Silêncio. As palavras saltaram-me a dois metros do chão. E depois de encarnar a telepatia, comecei a respirar pelos olhos, dizendo:

"Se da suposta costela do homem, surgiu supostamente a primeira bruxa, então o homem teve que sair pelo mundo a procura da sua outra metade: A mulher".


Torta na cara e a resposta na ponta da língua. Um celular de status e um carro conversível debaixo da terra. Um notebook em terceira dimensão, um e-mail com seu código na internet, e nenhum amigo para mandar a mensagem. A vida em metáfora arcaica ao passado, num sentido pretérito ao futuro presente. Só se sente vivo, Madona, aquele que ao nascer aprende a chorar. Por isso, o hipotético filtra o invólucro da Rede, enquanto a lágrima assalta-me a calma. E embora não fale, querida, sei que o silêncio é soprado ao vento, fazendo-me perceber que a cada lado da vida  há um dado. E que todo dado têm seis lados; somados à face da alma: Tato, paladar, olfato, visão, audição e transcendência.

"Não se fazem mais bruxas como antigamente!".  disse-me Manon. "As de hoje levariam a Inquisição para a fogueira!...". Manon tocou-me os lábios e fui beijado pelo Ateu, que acredita no que não crê. Então, moveu a colher de pau num velho caldeirão à lenha, e tocado pela lentidão da canela, banhou-me o espírito com perfume de baunilha. Com minha ignorância masculina, indaguei-lhe o sentido de tantos rituais. Manon disse-me para não tentar compreender. 'Eu não estava ali para isso'. Servia apenas para colher as rosas e tirar-lhes as pétalas, para que pudessem comer o jardim. Lancei-me ao feitiço das Bruxas de Manon, batizando-me com o nome de Eros. No “Mantra de Três Vezes Três”, o que desejei consegui nove vezes. Para mim Madona, o sinal dos céus tornou-se claro:
"Desejas, liberte-se e não prejudique ninguém. Aquilo que fizeres, voltará para ti triplicado. Não é o lugar… São os espíritos que habitam nele". "Cuidado com o que desejas, garoto",  disseram-me: Você pode conseguir!

"Aprendi nesta vida, querida Madona, que não importa se viveremos felizes para sempre. O que importa, é que para sempre seremos felizes, querida. Não há nada neste mundo que me deixe mais triste do que ver pessoas desperdiçando o direito sagrado da felicidade. Muitos vivem, querida, correndo atrás de algo que jamais terão. Esquecem-se que a Divindade é parte inerente a cada um de nós. Suspeitam demais, duvidam demais, odeiam demais. Perdem a chance de enxergarem-se dentro do outro e verem como realmente são. É tanto preconceito querida, tanta conversa jogada fora, tanta falta de respeito, até na hora de dar um bom dia, que as coisas simples da vida se perdem. Se as pessoas soubessem como é fácil amar e dizer: Eu te amo, falariam e amariam mais vezes. No entanto, ficam fazendo jogos de sedução, confundindo amor com sexo, atraindo gêneros complicados para as suas vidas, substituindo atração por afeto, se relacionando com o estômago e esquecendo que viver não é isso. Viver, querida, é perdoar. É levar um tapa na cara com as duas mãos e não revidar a um só golpe. É orar por aqueles que se ama. E jejuar pelos que se detesta. E só voltar a comer, quando passar a amá-los. Viver é pedir perdão, porque esse é o primeiro passo para compreender que o outro também erra. Mas que quase sempre, somos nós que mais erramos. É despir-se da vaidade. É transformar a própria crueldade em afeto. Nenhum ser humano é igual ao outro, querida. Somos tão complexos que há momentos que o que adoramos no café da manhã, detestamos ao cair do sol. Somos tímidos, extrovertidos, vaidosos, pervertidos e santos. Temos o universo a abrir infinitos diários em nossos diários, ainda sem escritos. A vida está aí querida, para quem quiser vivê-la. E essas pessoas de quem falo, e que amo tanto, precisam compreender isso. Precisam compreender que dinheiro é importante. Mas não é tudo. Eu mesmo, adoraria viver como um nababo, rodeado de empregados à cunharem o meu ouro. Mas compreendi que esses, a quem a ignorância me levaria a comprar com moedas de ouro, têm as mesmas necessidades inerentes ao homem, que eu tenho. E que as vivem, tanto quanto eu. No fundo, todos só querem amar e ser amados. Mas enfiam os pés pelas mãos de forma tão catastróficas, porque são carentes desse tal afeto melodramático, que causa guerras, ganâncias, ódios e solidões. Por isso, quero que saiba Madona, que meu coração é seu. Se algum dia você duvidar disso, então é sinal que falhei. Falhei comigo, falhei contigo, e com toda a humanidade. Porque aquele que não sabe dar, que pensa viver só para receber, que não compreende no outro a vida brotar infinita, que insiste em ser egoísta, mesmo percebendo que o mundo precisa doar, que rema na contramão dos acontecimentos, alienando-se covardemente em si mesmo, que abusa do direito à vida, achando-se senhor dos outros, que mata em nome da lei, que escraviza em nome da propriedade e do sangue; não sabe amar. E se algum dia eu me transformar num monstro assim, então vá embora, Madona. Porque certamente haverá alguém no universo, disposto a lhe fazer feliz. E fatalmente, esse alguém será bem melhor do que eu. A sua felicidade, querida, é o que importa. Enquanto pessoas como você existirem nesse mundo de meu Deus, a vida será um Bem mais precioso, que um caminhão de jóias".

Passaram-se alguns milênios desde que conheci Madona, numa manhã sem sol, cortando a vida em tiras; para aprender a amar. Muitos anos de sono profundo, velando à alma debaixo dos ossos. Silêncio.

Fechou os olhos então Manon, e o mundo adormecido, descansou em paz, – até o último dia do planeta Terra.


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Comentários

  1. Você é um grande escritor, Betto. Muito talentoso mesmo... Meus parabéns!

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