OS EXCLUÍDOS




Eles eram a ponta gelo-cortante do iceberg. Frios. Dilacerados desde o feto, reagiam uníssonos como lobos ferozes esparramados à neve. Lobos estes, banhados na carnificina em que a vida se transformou. Perdidos e banidos no limbo dos sentimentos órfãos; choravam. Vítimas e algozes de si mesmos, como um serial killer que odeia matar. Mas mata. Depois morre. O fato de não serem amados por seus pares, agravava ainda mais a dor interior assecla, transformada em pus, em febre, em fóssil. Deixar arder o que a muito já gangrenou é a especialidade genuína de quem perdeu tudo. Faz-se do abscesso a ponte de salvação rumo à morte. Constrói-se realidades de plástico, transversas e abarrotadas de expectativas que jamais se concretizarão. Cai-se por terra, roto e arrependido no triunfo de ser o vencido e o vencedor de si mesmo. Gasta-se as últimas forças por uma eternidade de vinganças e agruras, lançadas sobre a mão do destino. Corrói-se o gênero humano até a última dose de rum. Como um pirata que chupa o álcool e come o copo. Como o alcoólatra que encharca-se no veneno do fígado, e brinda a obscuridade de sua morte, chamando-a sorte. O amor quando vem errado, e desce pelo lugar errado, é capaz de levar ao coma os nossos mais doces encantos. Já vi pessoas brilhantes se transformarem em tocos secos de madeira nobre. Já vi o lixo intocado no coração do homem, irreciclável e perdido numa frase de um louco qualquer, que um dia amou e demais foi amado, mas esqueceu-se que corações são feito rosas, que quando bem tratados, florescem, quando mal amados, perfuram, doem em nós como espinhos e farpeiam-nos a alma com o veneno da mágoa, do viver condenado, da fuga para dentro de si mesmo. E do medo de ao olhar-se no espelho, não enxergar nada além de um espantalho para corvo temer.

Deixe-me ser seu por um segundo ou menos. Assim terei a sensação muda de um dia ter sido amado. Deixe-me levar-lhe café com maçãs do amor à cama. Deixe-me, pelo amor de Deus, lhe amar. Eu tive um dia horrível, fiquei o dia todo ao lado do xilofone, esperando do outro lado, você, e nada além de lágrimas aconteceu. Deixe-me cortar os pulsos e achar que nos dias frios você me levará flores, e romãs, e chocolate quente com bolo de cenoura doce. Deixe-me contar estrelas, queimar incensos, assar tortillas e ouvir jazz com você. Deixe-me mostrar-lhe aquela cicatriz que odeio, aquele defeito que disfarço, o quanto meu nariz é torto e todos os “eus” que tenho dentro e fora de mim. Deixe-me ou fique. Mas não fique se for para me deixar! Porque perdi muita coisa boa nessa vida, enfrentei tanto preconceito, enterrei quem amava. O que mais quero é ser feliz. Elis. Elvis.

Eles eram um dó sustenido, um lá bemol e um mi menor. Qualquer um deles poderia ter escrito o que foi dito no parágrafo proscrito. Basta a você escolher qual deles então o disse. Acontece que o cupido deles era forro, e como todo ex escravo, não admite viver mais nada além do que a própria alforria. 

Seguiram morrendo no sertão de sentimentos barrosos, pedregosos, barrocos e estéreis. Nada nascia. Nada florescia. Nada tinha água o bastante para mantê-los vivos. Somente um sol escaldante, sentimentos áridos e a certeza do incerto. Como a pintura, eram uma Obra silenciosa, cheios de soluços e vales, fazendo mais nas esperas do que nas chegadas. 

Eles perseguiam o arco dramático e detestavam cenas sujas. Embora improvisados e canastrões, eram pessoas, e não personagens de um conto em cena aberta. O processo dramático subliminar era o que comovia-os. E não o resultado cênico. Duas pessoas, embora vocacionadas para a vida,  todavia incuráveis, fariam tremer o universo com suas dores, se o universo soubesse o quanto esses dois grãos de areia feitos de carne e osso, sofriam. Às vezes amados. Odiados. Às vezes apaixonados. Crucificados. Às vezes não, às vezes sim, outras talvez. Às vezes plebeus. Às vezes ateus. Às vezes reis. Outras, seis. Às vezes certeza. Às vezes dúvida. Às vezes, não sei. Às vezes a dois, outras a sós, noutras à três. Felizes, infelizes, Marte e Vênus: cada um tomando o próprio veneno. Por um segundo ou menos. Infeliz. Feliz. Elvis. Elis. Nós. Eu. Tu. Eles: Os Excluídos. 



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Comentários

  1. Lindo, jovem, genial, inteligente, cavalheiro e super amável. Betto Barquinn é um príncipe! Amei, Betto! Amei!

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