PODA DOS PREPÚCIOS




Ele vivia à margem do rio, e suspirava de amor, enquanto os dias cortavam-lhe a alma à vassouradas. Seus sonhos eram tristes e neles pastavam pesadelos como montes de nada. Estava a um passo de virar a sombra de alguém.

Quando se vive muito tempo sem amor, o corpo entra em estado de choque, perde líquido e o sangue desidratado vira pó. Aos poucos, um a um; os rins, o fígado, o coração e o cérebro vão secando. Dentes quebrados, respiração ofegante, olhos amarelados. A solidão causa dependência física, psicológica, comportamental. Não existem níveis seguros para essa substância: insulamento. A ideia é não deixar de amar. Sem benquerança a vida resume-se a um corpo retorcido abandonado num canto qualquer. É assim que se morre por amor.

Ele tinha os cabelos sujos. Tinha as mãos congeladas. Tinha a perda e a desilusão como estrada. Entretanto tinha uma vontade enorme de ser feliz na carne. Aquele toco de gente, esparramado entre a demência e a loucura, sonhava. Sonhava torto, quadrado, esfarelado e amargo. Mas sonhava. Possuía um desejo de gente grande. Acreditava em si mesmo. Não confiava em clichês. Todavia sabia que o ser humano pode tudo quando acredita em tudo. Tinha a certeza dessa tal felicidade interior que Santo Agostinho falava. Por isso foi em busca dela e de si mesmo e devorou o Santo. Faminto que estava, comeu Platão. Insaciável, deglutiu Aristóteles. Insatisfeito e dissecado, dilacerou horas de Calvino. Séculos de René Descartes. Infinitos de Heráclito de Éfeso. E em meio a indigestão do Verbo, encontrou o amor derradeiro numa sopa de letrinhas. Estava lá, o bem-querer, sentado à margem do rio com todos aqueles dentes podres sorrindo para ele. Abraçados, saíram caminhando sobre as águas, com a promessa escrita e lavrada em cartório, de para lá nunca mais voltar. Morreram afogados, de certo. Mas felizes.

Definitivamente, Freud não explica o sentido de todas as coisas.

P.S.: Não esquecer de comprar diamantes de alcaçuz para colocar nos orgasmos de Takashi Murakami.


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Comentários

  1. Esse conto é extremamento filosófico, Barquinn. Aqui expões temas tão íntimos do ser humano, banhados a essa força interior riquíssima que possuis. Fico emocinada toda vez que um texto teu, toca-me os olhos. Tens o Dom de surpreender sempre, sendo simples e direto, sem nunca cair em lugar comum. Maravilhoso, querido. Beijos!

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