EARTH, WIND AND FIRE







Não se passaram mais de seis mil segundos desde que me deixaste aqui, Pathos: Liberto entre as amarras da liberdade. Não sei ser susceptível com um revólver à cabeça. Portanto é melhor atirar! Caso contrário, alcançar-te-ei à beira do Hades com os caninos à mostra. E lançar-me-ei a ti com iníqua volúpia incoercível. Cuidado, Pathos. Cuidado! Sou inflamável! Embora pareça-me com um dócil escravo doméstico de folhetim amarelado, dando a patinha e abanando a calda toda vez que chutam-me as intercostais – detesto ter que fazer-me de truão por muito tempo. Permití-me ser sufocado, porque via-me pequeno em demasia para lutar contra os meus algozes. Agora que recuperei-me, não vou deixar-te levar-me em retirada e continuar sorrindo, feito mamulengo de insídia. Enquanto calunias-me pelas fechaduras com sua adiposidade suina, observo-te. Enquanto contas tuas esmolas como se intersetivo abastado fosses, pela inérpia és alimentado no útero.


Falaste demais, Pathos. E enforcaste a ti mesmo pela língua. Tiveste a impáfia de odiar-me com o infausto opinativo de teu caráter inexequível. Ao invés de prejudicar-me com tua boca cheia de dentes podres – foste por um interstício, teu próprio cadafalso. E graças a ti, não tenho-te pena alguma. És o mau gosto envolto em inobservância. Tens o aziago como aliado. Cavaste com tuas patas curtas o oco extrínseco que expurgaste em ti. Em teu lugar Pathos, violentar-me-ia com opíparos cravos oxidados, até não restar mais nada de mim. Tétano!


Perceba que a parte mais doce dos meus vértices tem o sabor inexaurível da cólera. Desde que a insônia apresentou-se ante mim, comendo-me a alma, descobri-me insurgente até debaixo da terra. Viver é minha cachaça, Pathos! Interperar-me não basta. Para entender-me, teríeis que ter cérebro humano ao invés de cerragem e estrume de asno no lugar dos neurônios. E isso para ti seria uma condenação maior do que a tua alma falhida alcançaria.


Tens obsessão por camuflagem, Pathos. O teu silêncio me ensurdece. Vives interregno, intervalando-se em inopinados pontos de interseção. Para ti é inexequível viver. Tens a ausência de sorte na interface dos teus genes. E de fato Pathos, a mim não dás pena, não dás zelo, não me alimentas nem fortaleces, não me possues nem admiras, não me afagas nem festejas. De fato a ti Pathos, só resta o inescusável malogro de extirpar da memória a todos aqueles que pela fina estampa intelectual, ousaram ser inolvidáveis. Pois odeias a todos que nitidamente apresentam-se frente a ti, e são, melhores do que a tua mediocridade. Já ganhei tanto cala-boca que não restou-me nenhum motivo para ficar calado. Disseste a mim que enlouqueço-te em acumulação de palavras. Dou-te por concordância uma alma de gelo num vazio coração de ecos distanciados.


Tens o sistema desconfigurado, inorgânico, inoperante e programado. És fácil presa lesada. Um frágil robô sucateado de carne e osso, jogado no lixão social e coagido a dizer sim a céu aberto. És a globalização da alienação, servida em suculentas postas de carniça num banquete para urubus em coma.


O meu sonho não é igual ao teu preconceito interdito. Não é igual a inteireza do teu ódio. Não é igual ao teu retrato de defunto. Não é igual ao teu espírito bizarro. Não é igual. O meu sonho não vem com controle remoto de fábrica. Não vem com rótulo nem com manual de instrução para o mal. Não vem do teu dinheiro cadavérico nem é equalizado na tua frequência de interlúdio ruím. Não vem de ti, nada que me pertença. Ninguém que a mim queira pertencer. Não vem. Em ti Pathos, tudo é pseudalístico, menos a violência interna que assola-te, livrando-te de qualquer virtude budaica. Naquilo que o passado te condena – o futuro me liberta. És o inquilino da vida, sendo parte do meu condomínio – o teu aluguel. Viver é pau-dentro, Pathos! E tu sabes de onde... Viver não passa de um passe de mágica preso na porta da geladeira. Compreendi isso, quando me disseste:

– Acho que é por isso que ainda não me casei... Não me imagino envelhecendo a dois com alguém apodrecendo no caixão ao lado. E de certa forma casamento é isso... Oferecer a própria decomposição ao outro, sugar-se da vida enquanto o amor desfalece. E perceber que alguém que você nem sequer lembra mais o nome, ainda permanece a seu lado; perplexo da vida ter passado tão rápido, ou da morte, – que de tão velha, parece ter esquecido a quem buscar. Sei lá... Saio da vida para entrar na escória!


Só tú não percebeste que em terra de cedro cara-de-pau é rei. Fizeste da vida uma pilhéria gastronômico-sociológica. És o azedo que mata, a inércia que fastiga, o descaso social, a fome que espanca a porta antes de entrar na casa da gente, o azilo dos incompetentes sudoríferos. És comida na mesa de ratos, discussão no idioma dos outros – antegozando cadáveres imaginários. És um homem com a cabeça no século passado, Pathos! És um risco à vida zapiando agruras adiadas – vomitando o cérebro nos pés. E por fim, não és nem o começo de uma conversa rançosa, discutida com chatos, – sobre um tema ruím.


Como alguém pode esperar tão pouco da humanidade, vivendo num arquipélago paradisíaco, sozinho no meio do nada com lugar algum? – Não sei... Devo ter comido algum pescado passado e acordei amargo. Tendo os tímpanos invadidos por decepções, jurei nunca mais ligar o rádio, – enquanto surdo não fosse. E descobri o que me fez fugir da soberba civilização de brinquedo:

Intestino contaminado, suores noturnos, masturbação mental, pesadelos insuflados pela violência urbana, homens abjetos, pessoas de plástico, vaidade capital e necrofagia conceitual.


Viver é poda, Phatos! Tem dias que me sinto como um quarto de nada, aproximadamente, – com margem de erro de uns cem pontos percentuais para menos. Um nada, nascido debaixo da terra, dizendo-se gente. Eu sou aquele que acredita no nada porque ao nada pertence. O nada é o paradoxo do cárcere que liberta o homem da necessidade de ser coerente. Sou o adágio de outros tempos, que diz:

– 'Quem nada é, acaba ficando com um sepulcral vazio no coração. Sou o nada, então'.


No reflexo do espelho de mim mesmo, vejo asas no campo do sujeito; no meu sagrado mais profano. E sei que com elas, ainda posso voar. Mas finco aqui, os pés no subterrâneo do chão, feito um avestruz em estado de graça, que pode voar, mas não voa. Porque sabe ver mais estrelas no sagrado do chão; que na individuação-profana do céu. Na minha vida interior, naquilo que tão pouco externo; voar dói. A visão de tornar-me um ser humano exumado engordando no sofá, – pronto para o abate; assistindo futebol na TV de mil e uma polegadas, – com uma lata de cerveja em uma das patas gangrenadas, – assustou-me. Não quero gozar com a moral dos outros, Pathos. Na minha vida: Je suis le chef!


Sou um shaper visionário. Sonho em surfar com minha "funboard evolution" nos mares do subconsciente, ouvindo "12:51" (Twelve Fifty One) dos Strokes, até somar tantos segundos de vida, que seja impossível recontá-los. Sei que tu jamais compreender-me-ia, Pathos. Mas compreender-me-ei por ti. Sou aquele que se pertence. E só sou amado porque amo. Se não amasse a mim, amado não serias. Sou frágil e sensível ao vento. Mas minha vida é de raíz. Eu peço perdão por ter dito verdades que não me negaria em repetir. Mas só por isso... Não se pede perdão por amar. Amo em ti o que odeias em mim. E aconteça o que acontecer, o amor nunca será indiferente a nós dois. Não quero ser empurrado pela garganta das pessoas, Pathos. Não quero ir parar no intestino de ninguém. Por enquanto, até o dia da minha liberdade final, serei tudo aquilo que posso ser: EARTH, WIND AND FIRE. 


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Comentários

  1. Paula do Couto Vale6 de junho de 2010 às 08:58

    Profundo esse conto, Betto! “Phatos” é paixão em grego, né? Muito bonito esse conto, Barquinn. Você é um escritor muito especial. Que bom que é brasileiro. Um orgulho para todos nós. Beijos!

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