LOBO BOBO




Testemunhal. Os quarenta anos chegaram-me numa bandeja de prata. Subia as escadas feliz da vida, fazendo planos que levaria ao claustro. Despaginando os tempos da infância. Todas as minhas molecagens. Conchas de um guri apaixonado, que sonhava mais com a vida do que a vida com ele. Trilhas brindando o'clock. O cálice nas mãos de um jovem que mau podia dissertar sobre o pôr-do-sol. Mas o adorava tanto, que chorava, ao ver o dia anoitecer.

Ao abrir o armário e me ver no espelho, meus quarenta anos deram-me bom dia. Individuação. Enxaguei a roupa. E esqueci de mim, dentro da máquina de lavar Descobri que aquele ali, tingindo os cabelos, não era eu. Tinha tantas estórias para contar. E todas cabiam num pote de sementes. Olhei para o lado, e percebi que ao meu redor nada tinha mudado. Todos os móveis no seu lugar. O sol invadia o sótão, penetrando no calor da minha pele. Cheguei a achar que nada acontecera. Que iria trocar de roupa, sorrir de felicidade, e deixar estas quatros décadas em silêncio  guardadas no bolso do paletó.

Quando fiz quarenta anos, a Idade do Lobo, resolvi diminuir mil e noventa e cinco dias no calendário. Achava mais elegante ser um jovem de trinta e poucos anos, do que um coroa de meia idade. Puro delírio. Não se volta atrás no tempo, mesmo que se busque todo o esforço do mundo para fazê-lo. Cada vez que você respirar, nada será como antes Fiquei parado no telhado de casa. Ouvindo o silêncio na chaminé chamando-me para cortar o bolo. Adrenalina in vitro. Eu estava ficando cada vez mais parecido com o meu pai. Ou quase isso. E não era nada cômodo, admitir que o mundo continuava o mesmo. E eu, mais velho.

Suspiros. Bomba de chocolate. Torta de limão. Grapefruit. Quando entrei na casa dos quarenta, os ladrilhos ofuscaram-me os olhos. Incêndio vertente no lago. Ironias duma samambaia de plástico. Tentei sair pela porta dos fundos, mas o único caminho que encontrei, levava-me aos cinqüenta anos. O tempo caminhava a passos largos, dizendo-me coisas impublicáveis. Todas aquelas rugas visionárias lapidando-me a face. Emoção congelada. Geladeira humana. Frigoterapia. Frigorífico. Frigorígeno. Frigoria. Carne barata. Carne gelada. Prisão gelo-gente.
Eu tinha provado a todos que o tempo era uma bobagem. Que só foi criado para aprisionar o homem ao seu habitat. E que éramos livres para seguir adiante, sem o passado eminente a nos rotular. Mas minhas palavras traíram-me. Não admitia o que estava escrito nas minhas mãos. Oh Deus! Por que me fizestes bonito e gostoso ao invés de rico e poderoso?! Cartas de um baralho sem curingas. Uma ponte sem alicerces. Um discurso torto. Preocupava-me tanto com o que já tinha vivido, pois jamais havia dado conta, da ebulição interior que me rabiscava. Construí um reino com muros tão altos, que impedi-me de ver além do meu umbigo. Qual o problema de envelhecer? Se for com classe, se alcançar o objetivo da vida com consciência e sabedoria, não há o que temer. Nós não perdemos a serventia só porque envelhecemos. Nunca fui servil! Hoje sei tantas coisas, que meus jovens dias de outrora prostrariam-se a minha frente, com o sorriso fora de foco. Consegui tudo o que quis. Confissões Eu sou um vencedor! E só me dei conta disso hoje, que é o dia dos meus novos quarenta anos. Para o resto do mundo. Para todos aqueles que me viram voltar aos 3.7 com a inocência de um pervertido, comemorar esta data é um privilégio. E já estou com vinte e seis mil, duzentas e oitenta horas de voo a frente. Vou festejar tudo que recusei a três anos atrás. Quero "acontecer" outra vez.

É ótimo ser esse Lobo Bobo, que descobriu-se numa página amassada. Num roto livro de bolso. Deixei as minhas culpas no segundo andar. Que elas fiquem por lá Beco das Garrafas. Margarita. Tequila. A exatos quatrocentos e oitenta meses, eu estava nascendo. Aceitei o presente da vida. E fiz de mim o meu maior orgulho. Gotas de música erudita no chá Brahms. Strauss. Belline. Tchaikovsky. Bizet. Mozart. Mendelssohn. Massenset. Haendel. Verdi. Wagner. Vivaldi. Mahler. Suppe. Lizt. Borodin. Grieg. Berlioz. Bruckner. Scarlatti. Glinka. Bach. Beethoven. Dvorak. Otto Nicolai. Schumann. Delibes. Rubinstein. Albinone. Rossini. Offenbach. Haydn. Choppin. Puccini. Imortais de meio milênio na mente de um quarentão. Célebres pela própria natureza. Nada a declarar. 



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Comentários

  1. Adorei o texto, querido! Sucesso, Betto! Muuuuuuuuuito sucesso!!! Bjs!

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