KAFKA NEGRO




Kafka tinha medo do monstro interior em que se transformara. Queria ser imortal, mas sentia-se cada vez mais perto da morte quando olhava-se no espelho. Passava de tudo no rosto na ilusão de rejuvenescer dez anos a mil. Mil anos a dez. Não suportava a ideia de ter que envelhecer, pelo simples fato do ser humano oxidar. Em busca da eterna juventude, respirava numa espécie de máquina vaporosa, um líquido misturado a um gás, que segundo ele, era feito de corações de suicidas mergulhados em açúcar mascavo e mel de abelhas africanas, criadas numa colmeia sintética com neve importada do Polo Norte. Um homem de gesso. Aço. Concreto. Supercola. Um exagero de homem, secando aos poucos, esticando o tempo, plastificando-se e vendo a vida dos outros passar, enquanto a dele continuava a mesma: estupidamente jovem.





Kafka envelhecia mais e mais a cada dia. E por mais que tentasse inverter os segundos, estava anos à frente da idade que realmente tinha. Diziam que até sangue humano já havia tomado. Diziam que não dormia. Outros, que nunca ficava acordado. E alguns, que jamais havia nascido.



Certo dia resolveu virar negro, porque segundo reza a lenda, os negros nunca envelhecem. Sendo assim, negro tornou-se. Negro, de um negro tão negro, que a Franz Kafka só víamos quando ele sorria. Tinha dentes tão brancos, de um branco tão branco; branquíssimo, que era como se víssemos a face oculta de um anjo barroco. E lá enxergávamos sorte, amor, trabalho, dinheiro, casa própria, comida, educação e carro do ano. Víamos o nosso futuro dentro daquela boca dentada, de um  branco tão branco, que sentíamos vergonha da nossa própria dentadura amarelada. Perto dele éramos cárie. Longe dele, clareamento dental. Kafka Negro, preto velho, mocinho-mocinho, querendo ser jovem para sempre. E viver, viver, viver sem precisar morrer. E aí sim, ser imortal, como tanto queria. 



O fato é que Kafka não acreditava em milagre. E nem sabia dizer a verdade. E nem o que era o amor. Então Kafka Negro, envelheceu sensivelmente, uns duzentos anos por hora. E quem o viu recentemente, jura que um dia sorriu tanto, que ao ver-se no branco reflexo daqueles dentes alvos, desapareceu no ar. Porque para Kafka a eternidade chegou cedo. E ele, que queria ser imortal, oxidou e morreu: kafkianamente falando, é claro.


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Comentários

  1. Mãe, quando crescer quero ser Betto Barquinn!!! Kkkkkkkkkkk! Adorei o texto, Betto! Cara, você é 10! Abs!

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