O HOMEM NU


A roupa é a casca do corpo. O corpo; a segunda pele da alma. E a alma; a veste do Espírito: Perispírito.    
(Betto Barquinn) 



Estava naquele bar apinhado de capas de revista, verbalizando sobre o triste destino de nossas almas, quando vi a cena mais grotesca e indizível da minha nada mole vida. E olha que já vivi o pão que o diabo amassou... Mas isso é outra história.

Acontece que o bar estava cheio de celebridades saindo pelo ladrão. Gente bonita, sarada, inchada de bomba e de botox, com aqueles corpos esculturais: esculturados para serem externamente jovens, aparentemente saudáveis, internamente vitaminados e eternamente plásticos.


Todos ali mudavam conforme as tendências da estação. Mudavam de corpo, de rosto, de voz, de boca, de amor, de moda, de preservativo, de celular, de casa, de carro, de computador e de alma. Mudavam o cabelo, o corte, a cor, o sexo, a raça. Mudavam até de assunto. E como quem bebia comigo podia se transformar em outra pessoa em segundos, era sinestésico conversar com alguém que podia não existir. Os assuntos variavam entre política internacional, violência urbana, reality show de quinta, sexo e futebol. Entre o Teatro Grego e Le Cirque du Soleil sobrava assunto. Entre o novo rock inglês e as pernas da rainha Elizabeth agonizava o nosso sonho de consumo. Entre os primeiros lugares da Bilboard e a lista dos melhores do ano nas páginas da Rolling Stones urgia a vida. Entre o chá verde, o Goji Berry, a anorexia, a bulimia e os antioxidantes artificiais, havia toda sorte de assunto que não me interessava, não ia me deixar mais rico intelectualmente, nem mudaria a minha vida. Mas que, naquele momento sórdido do pós-modernismo, me deixava bem mais popular. Flash! Flash! Flash!



Mas voltando à cena...


Acontece que naquele bar de bêbados-sóbrios, todos estavam alcoolizados, apertadíssimos, "elegantíssimos", e é claro, de porre, fumados, mamados, cheirados, viajando à beça; tomados de  drogas sintéticas. Até eu que sou alcoólatra, mas não bebo, tinha bebido. Até eu que não fumo, tinha fumado. Até eu que gosto de sexo... Bem, esquece. 

Mas acontece... 

Acontece que no meio daquela balada de plástico, havia toda uma reputação à zelar. Ninguém estava ali de bobeira. Os cachês cobrados eram altíssimos. Estavam todos ali pasteurizados nas suas vidas de celebridade instantânea. Costurados e inflados até o limite do ego. Todos tinham o seu preço. Todos precisavam estampar a capa da próxima revista. Todos  desejavam estar na novela do horário nobre. Todos dariam um braço por uma entrevista coletiva. Os mais ambiciosos dariam até o coração. E aqueles que tinham vendido a alma por quinze segundos de fama; vasculhavam o espírito em busca de algum escândalo que os levasse ao topo. Os que foram parar na "geladeira" insistiam em dar autógrafos. Os aspirantes a famosos (as subcelebridades da vez) também. Era cada um por si e o diabo por todos. Afinal de contas, a máquina do show business não pode parar.   

Até eu, euzinho aqui; que fui parar ali de penetra, já havia dado um jeito de fechar três contratos para os próximos três discos que iria lançar em três dias. E que de fato, não sabia como, já que de música só reconheço o som do meu estômago à roncar. E além de onanismo, não toco nada. Mas ninguém precisava saber disso. O importante é que eu toco direitinho.


E sem mais delongas...


Acontece que estávamos nós; os figurões da intelectualidade carioca, ali naquele bar da zona sul, comemorando sei lá o quê; quando entra pelo tapete vermelho das imoralidades humanas; sob todos os flashes, suspiros, golpes baixos, orgasmos e aplausos invejosos; um homem completamente nu: com uma mega-super-big-master-combo-ereção; e um cartaz preso na ponta do superlativo, que dizia: “Abaixo à Sociedade de Consumo!”.

Logo chamaram a polícia, que apareceu baixando a paulada nos garçons, largando o cassetete nos guardadores de carro, enfiando o cacete nos barmans, mandando as copeiras encostarem nuas na parede, e apalpando os clientes nos lugares nada ortodoxos. Só escapou da pancadaria quem tinha mais de dez mil dólares na carteira. Na delegacia, um dos policiais relatou ao delegado o acontecido, dizendo: "Achei um absurdo aquele macho espadaúdo, longilíneo, com tórax largo e pernas grossas, bem dotado, cheiroso e gostoso; ter conseguido com aquele abdômen tanquinho, entrar no bar sem nenhuma roupa sobre a pele macia e dourada de sol; com todos aqueles músculos e pelos saltando sobre o corpo quente e salgado; podendo pegar até um resfriadinho, coitado". Depois de tamanha explanação, o policial recém saído do armário, pediu o "homem nu" em casamento. O delegado chocado com a situação advertiu o policial com um retumbante: "Há limites, Maciel! Há limites!"

Segundos depois, o policial "come out of the closet" reiterou o pedido de casamento, e ficou nu na frente do delegado. Logo algemaram o policial que saiu do armário e o levaram ovacionado para a noite de núpcias no xadrez. Passou a lua de mel foi com trinta e oito presos numa cela superlotada. E é claro, que no dia seguinte, ele foi capa de todas as revistas de fofoca do planeta Terra. Um pouco antes de sermos expulsos da delegacia, ameaçamos tirar a roupa em protesto à homofobia. Para tal, trepamos uns em cima dos outros, enquanto outros entravam e saíam de uns, como se nada tivesse acontecido. Depois instauramos o beijaço. Para acabar com a balbúrdia, o delegado exclamou:
– Foi assim que Napoleão perdeu a guerra! 
E eu respondi:
– É assim que eu ganho a vida!


(Sem comentários)


Seis dias depois, acordei do coma alcoólico, cheirando a pó. Mas sem nenhuma apologia às drogas. É só o estratagema da literatura.


Acordei, e nem sabia direito o meu nome, ou porquê aquelas três mulheres nuas estavam ali aos beijos; acariciando com os lábios os meus países baixos.


Não sei o que "o homem nu" quis dizer com “Sociedade de Consumo”. Só sei que preciso ir à Paris, Milão e Lisboa, torrar meus euros. Fiquei tristíssimo ao perceber que meu Rolex vale menos que um apartamento em Manhattan; meu triplex em Londres é um ovo comparado ao Central Park; e meus carros importados já não são mais 0 km desde que saíram da concessionária. Isso é revoltante. Se cortarem a minha internet eu me mato! Pode parecer exagero, mas sem meus luxos entro em depressão. Não é culpa minha se tudo que eu gosto é caro, exclusivo, e melhor que os outros. Por isso, pergunto: 
–  Para que serve a vida se não for para ganhar dinheiro?

(Sem comentários)


O que aconteceu com o homem nu?! Depois de casar com o policial, ganhou na loteria, e hoje é o homem mais rico do mundo.   


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