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Sussurros saem do catavento e vão parar no dorso de um barquinho de papel. Acordei esquisito, com o coração partido e o peito em chamas. Estava lendo “Vinte Mil Léguas Submarinas”, lancei o livro ao mar, e vi suas páginas amareladas afundando no tempo. Cansei de correr de você. Cansei de correr do amor. Eu digo não, você sim. Eu digo amém, você diz também. A gente não se parece em nada, o seu humor não se parece com o meu. Às vezes sinto vontade de dizer que te amo. Mas casar agora seria difícil para mim. Tenho juntado dinheiro para comprar umas coisas. Tem aquele aprtamento que falei em Roma. Mas o dinheiro não dá. Pensei em ficar mais um pouco em Amsterdã, mas fiquei sem trabalho. As coisas aqui estão pela hora da morte. Com um pouco de sorte consigo aquele trabalho no navio. Dar a volta ao mundo seria somar um pouco mais de dinheiro nesse meu vazio. Fiz um pouco de chá: toma. Se quiser tem limão e hortelã na despensa. Você precisa comer algo que alimente. Esses biscoitos gordurosos vão acabar lhe matando. Ouvi uma senhora na rua dizendo que hoje a noite faz frio. Preciso dar um jeito na calefação. A noite passada acordei um picolé de gelo. A que horas servem o almoço no albergue? Pensei em passar lá amanhã e visitar Tom e Melanie. Você gosta de salada de endívias? Eu gosto. Mas aposto que você vai achar o gosto esquisito. Mas para mim, tudo bem. Acordei me sentindo esquisito, lembra? O gosto das coisas parece fugir pela porta dos fundos. Ontem conheci um cara numa cadeira de rodas. Ele me ofereceu chocolate, depois foi embora. Se você quiser vestir um pijama, tem um de flanela em cima do bar. Pegue também essas meias: você vai precisar. Há um desassossego no íntimo das coisas. Eu fiz que vi, mas não vi. Que tal maionese com cerveja? Fiz ainda a pouco: prova. Bom, não é? Receita da mamãe. O segredo é colocar azeite ao invés de mostarda. Em falar nisso, quando você for a Berlim, traz aquela mostarda alemã que eu adoro. É difícil de achar. Aqui na Holanda custa os olhos da cara. Tem uma loja naquele bairro que tem um lago, lembra? Ali custa cinco euros a menos. Ah, vê se o vidro da janela está fechado. Tem um vento chato cutucando-me às costas. Quando voltar, vê se tem chiclete naquele potinho vermelho perto da TV. Guardei um presente ali para você. Hoje passei por uns meninos vestidos de Mickey Mouse. Eles cantavam em inglês com um sotaque parecido com o português. Quando der volto a Portugal. Gostei de lá. Quero rever as ruas de Lisboa e ficar por lá à toa tomando cerveja. Lembra daquela portuguesa que a gente conheceu no London Underground? Pois é... Ela fez ‘toucinho do céu’ e me chamou para lanchar. A família dela é linda, sabe? Todo mundo lá é muito unido. Eles me disseram que se eu precisar, posso ficar com eles um tempo. Mas não sei. Ficar na casa dos outros é sempre muito chato. Eu acho. Está com fome? Tem pizza na geladeira. Esquenta no forno comum porque o microondas está com defeito. Orégano? Tem, sim. Dentro desse pote azul perto do fogão. Pode secar a mão nesse pano de prato, mas pega a forma de pizza com a luva de amianto, porque o forno está quente.  Tem refrigerante no congelador. Gelo, para quê? Com esse frio?! Toma quente mesmo: o que não mata, engorda. Preparei uma surpresa para a sobremesa. Quanto a nós dois: a resposta é sim. Vou me casar com você. Whisper.

Eu já sussurrei no seu ouvido hoje? Não?
                    EU TE AMO!



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