LES AMANTS DE PARIS






Estava caminhando pelo entorno da Galeries Lafayette, atrás de alguma coisa, mas não sabia realmente o que era. Parece meio desconexo começar uma história assim, sem pé nem cabeça, mas é assim que eu sou. Parto do final, com a esperança, de um dia, quem sabe, chegar ao início. Mas na maioria das vezes, me perco, antes mesmo de chegar ao meio. Se a vida é uma surpresa em cada esquina, quando caminhamos em ordem crescente, que dirá de trás para frente. Sou decrescente por natureza! Comigo, o fins nunca justificam os meios. Mas prometo que algum dia, serei, digamos, uma pessoa normal. O que me levara à Galeries Lafayette, fora o fato de ter visto na orelha de uma francesa, uns brincos de madrepérola. Desde criança que sou apaixonada por brincos. Mamãe detestava que eu mexesse nas suas jóias, mas era só ela sair de casa, que lá estava eu: bisbilhotando. Mamãe tinha uma jóia para casa ocasião. Era elegantíssima! Havia um par de nácar que não tirava das orelhas. Um dia sumiram. Ninguém mais ouviu falar deles. Uma pena: eram lindos! Mamãe gostava de combinar cada detalhe da vida com seus brincos. E como era uma mulher à frente de seu tempo, moderníssima para a época, ‘combinar’ para ela tinha um significado próprio. Ela não combinava a bolsa com o sapato ou a roupa com as jóias. Nada disso. Ela combinava o espírito com a alma! Ou seja, vestia-se de acordo com o sentimento do dia. Se tinha a alma contida, vestia-se de forma clássica. Se tinha a alma solta como balões de festa, lá ia ela: cheia de cor. “Sua mãe é uma delicada peça de museu vestida para matar”, dizia papai. Mamãe, decidida que só, revidava: “Há pessoas que têm dinheiro e há pessoas que são ricas” respondia. “Eu sou uma dessas, meu amor. Cabe a você descobrir quem sou!”.  Assim de jóia em jóia, cresci em busca dos meus brincos de madrepérola perfeitos, iguais aqueles de mamãe.

Ao atravessar à boulevard Houssmann, vi que na esquina da rue de la Chauséed’Antin, vinha uma senhora francesa adornada com um par de brincos de nácar tão lindos, que mais pareciam um outdoour da Vogue. Os brincos brilhavam tanto, que ofuscaram-me os olhos. Eram costurados com ouro e tinham um diamante enorme na ponta. Um pouco ‘over’ para o meio-dia de um inverno sepulcral, mesmo para Paris. Mas eram tão formidáveis, peça de ourivesaria antiga, que mais pareciam uma obra de arte. E eram mesmo. A olho nú dava para perceber o requinte do polimento e o refinamento da cravação de pedras e diamantação. De certo, os brincos eram valiosíssimos! Qual a mulher que não desmaiaria, ao ver à sua frente, uma escultura viva, adornada com metais preciosos? Não sei quanto a você, mas eu desmaio sempre! E cairia ali mesmo no meio da rua, dura como uma escultura de Auguste Rodin, se não tivesse tão interessada nos tais brincos. A ponto de que, vendo que a francesa saíra da Lafayette Haussmann, joguei-me porta a dentro, como se fosse o próprio Auguste Dupin (versão femme fatale), de Edgard Allan Poe. Como uma Mata Hari pós-moderna, espionei cada cantinho da loja, grife por grife, inclusive passando pela Lafayette Maison e pela Lafayette Homme. Nada. Nem vestígio dos brincos. Passei a tarde e grande parte da noite escarafunchando cada cantinho da loja, e nada. Lá pelas tantas, um tanto desanimada, quando estava quase desistindo da minha busca insana, eis que atravessa o meu caminho, a tal francesa. Sem titubiar, corri até ela e arranquei-lhe os brincos! Foi preciso uns cinco seguranças para me tirarem de cima dela. Fiquei tão nervosa, que estapeei a cretina até ela desmaiar. Não sou dada a atos violentos, mas estava cansada demais para ser diplomática. Aliás, diplomacia não faz parte do meu ‘menu de boas maneiras. Comigo é no berro e no grito mesmo. Com tanta violência, claro que fui presa. Foi horrível ter que explicar que não era ladra nem louca. Apenas tinha sido ofuscada pelos brincos de madrepérola. Nada mais. Fora apenas uma privação momentânea dos sentidos. “Não sou louca!”, gritava, com parte das orelhas e dos brincos da francesa nas mãos. Passado o susto, paguei a fiança e fui solta. O que deixei na delegacia dava para comprar mil pares de brincos iguais aqueles. Mas tudo bem. Tomei os meus Florais de Bach, fiquei calminha-calminha, e segui minha estadia em Paris, como se nada tivesse acontecido. Calminha sim, embora ainda sentisse o peso daqueles brincos entre os dedos e o gosto da orelha da francesa entre os dentes. Mas como cidadã do mundo que sou, finíssima até debaixo d’água, jurei nunca mais arrancar os brincos de ninguém à dentadas. Graças a isso, cumpro a minha pena em liberdade. Fui condenada a cinco anos de prisão por  agressão. Mas estou em liberdade condicional por bom comportamento.          

Falando em liberdade condicional, ontem à noite ao chegar à Ópera de Paris, eis que vejo outra francesa, usando brincos de madrepérola iguais àqueles de mamãe. Mas isso é outra história. O que posso dizer por agora, é que os brincos são meus. A francesa (dona dos brincos de nácar) será encontrada boiando no Sena, dentro de algumas horas. Espero que dê tempo de cruzar a fronteira e chegar à Espanha. Depois eu conto o resto. Aliás, o resto é literatura e nos espiritualiza. Beijos!  




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