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Era a quarta vez que marcava com Mário de Andrade um encontro, para que pudéssemos falar sobre o livro. Ele chegara apressado, dizendo que esquecera o ferro ligado. Tinha medo da casa queimar. Você deve estar pensando como marquei um encontro com Mário de Andrade, se ele está morto e eu vivo. Compreendo a sua dúvida. Permito-me nela pensar. Acontece que literatura é um bicho sem fronteira. Mesmo ele morto e eu vivo, há coisas que acontecem sem ter explicação. Portanto, não vou explicar o milagre do nosso encontro. Até porque não acredito em milagre. Nem em destino, caso você pense em me perguntar. Acredito no encontro. É por ele que vivo. Por ele, por você e por mim.

Então o Mário entrou. Tirou o chapéu e colocou sobre a mesa. Dissertou-me sobre o livro. Disse-me que escrevesse umas cem folhas, depois jogasse tudo no lixo. “Quando você conseguir escrever o que sente, colocar no papel a sua alma, estará pronto” falou. Tomamos umas quatro xícaras e meia de chá. Falamos sobre Olavo Bilac. Conversamos sobre padre Jesuíno do Monte Carmelo. Lemos juntos Álvaro de Campos. Começamos a ler Fernando Pessoa, depois paramos. Tomamos dois ou três chocolates quentes. Comemos bombom de abricó. Saímos pelo mundo apressados: Mário de Andrade querendo apagar o fogo de sua alma, e eu, sorrindo.

Quando cheguei em casa, vi que meu Mário querido, havia tatuado-me as mãos. Antes de ler o futuro, um ponto obscuro fitei. Mas não era nada demais. Acabei esquecendo de fazer poesia, mas trago nas mãos a alegria, do texto que Mário morto escreveu:  

“Quando nasci, conheci um anjo. Ele tinha um jeito manso. Um jeito manco de ser. Viveu comigo um certo tempo. Habitava em mim, os meus espaços vazios, tornando-os cheios. Ele tinha uma doçura, uma delicadeza, que levava-me às lágrimas, toda vez que sorria. Era uma bondade diferente: Uma alma al dente”.


   
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Comentários

  1. Se eu tivesse que definir este blog com uma única palavra, definiria com TALENTO. Você é um escritor espetacular, meu caro. Em um país em que os negros são colocados em segundo plano e vistos como pessoas menores, me chega você (um gênio!) e coloca na mídia um blog que respira cultura por todos os poros. O seu talento e paixão por literatura são notórios, meu caro. Só idiota não vê que aqui tem um produto de primeiríssima qualidade. Você vai longe, Betto. Vida Longa ao Rei!

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