KISS ME QUICK





Ela tinha lido “O Pequeno Príncipe” tantas vezes, que repetia palavra por palavra, sem precisar encostar no livro. Ela sabia a obra de-cór: do prólogo ao ponto final. Às vezes recitava o epílogo. Em outras: o posfácio. Em noites de lua cheia, ficava horas no prefácio, antes de degustar cada milímetro do exórdio.

Queria ser famosa. Desejava o título de “Estrela das Galáxias”. Para tal, inscrevia-se em todo concurso de beleza que caía a sua frente: de ‘Garota Bumbum’ ao ‘Miss Universo’, passando pelo ‘Piriguete da Laje’ e pelo ‘Musa dos Presidiários’, já participou de todos. Acabara ficando com magros segundo e terceiro lugares. Mas não tinha a menor importância: o negócio era estar debaixo dos holofotes do show-biz.  
         
Depois de fazer um cursinho de teatro por correspondência, participou da montagem de “Navalha na Sarna”, um espetáculo ambientado numa lixeira. Durante toda a peça, ela manuseava lixo hospitalar, depois caminhava num tapete de seringas descartáveis: reutilizadas. Oh, God! A platéia ia ao delírio! Depois de uma hora e meia fazendo todo tipo de bizarrices, gritando, arrastando-se no chão, e tomando cinco bolsas de sangue humano em cena, ela atirava-se do proscênio e caía em cima do público. Era o circo dos horrores! Mas ela era ovacionada por mais de duas horas todos os dias. “Uma mulher tão linda assim, merece os meus aplausos, mesmo que ela apareça no palco com um rato morto na boca” – disse um admirador secreto, que assistia o espetáculo todas as noites. Embora canastrona e incapaz de decorar uma frase sequer do texto, além de repetir que adorava Tchekov e que “O Jardim das Cerejeiras” era seu livro de cabeceira, não passava de uma alpinista social: nada talentosa.  

Mas como a vida não dá ponto sem nó, um dia ela desabrochou. Correu para um cirurgião plástico e pediu para ficar a cara da Marilyn Monroe. Não conseguiu. Entretanto, como não é mulher de perder a viagem, saiu da cirurgia estética vinte anos mais jovem. Como não queria andar de ônibus a vida toda, casou-se com o tal cirurgião, mudou-se para uma mansão dos deuses, e fez do Olimpo seu cartão de visitas. Agora Porsche conversível era o menor dos seus bens. Transporte público nunca mais! Agora era rica, famosa, a diva do momento, um mito instantâneo, o mais novo brinquedinho da mídia, e ainda por cima, uma senhora da alta sociedade. Nada mais a deteria, se não fossem umas fotos que tirara nua, nos tempos de extrema penúria. Mas não seria meia porção de escândalo que a derrubaria. Passou pelo vexame, deu a volta por cima, e hoje vive numa galáxia distante, desfrutando a boa vida de uma estrela cadente. Ou melhor: decadente.

O “Pequeno Príncipe” ficou para trás. Esqueceu tudo que leu. Não lembrava sequer da capa do livro. Mas de uma coisa nunca se esqueceu: do beijo que dera num tal ator, seu colega dos tempos de “Navalha na Sarna”. Era ele que a visitava na calada da noite, quando o marido viajava. Era ele que fazia a sua cama tremer. Era ele que era o pai dos seus filhos. Era ele: o seu grande amor.         



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Comentários

  1. Oi Betto! Cara, muito bom ver como você manuseia os sentimentos dos personagens e os transforma em estrelas de uma obra prima. Tudo que você escreve é muito bom: sem exceção. Acompanho cada publicação do blog, com a expectativa de quem é fã do seu trabalho. Genial, Betto! Este seu "Kiss me Quick" é mais um texto que entra para os Anais da História da Literatura Universal. Você é grande, rapaz! Parabéns!

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