MODINHA PARA GABRIELA
Gabriela era uma menina com perninhas secas e bracinhos assim, assim. Era de uma magreza estonteante. O sinônimo de sua magreza estava mais para alucinação do que para paixão. Mas não havia outra adjetivo que lhe caísse tão bem. Era estonteante, sim. Era estonteante e ponto final. Embora houvesse muito mais nela, do que simplesmente pele e osso, a menina formada por gravetos era vista assim: magra de todo. Era magra de pai e mãe. Era magra de ruim. Tinha a ossadura aparente. Por isso até quando estava contente, e exibia um largo sorriso, parecia doente. Os ossos atrapalhavam-lhe a vida. Aqueles ossos eram feios demais. Quando ela ia: a gente via a bacia. Quando ela vinha: a gente enxergava a costela. Quando exibia-se de perfil: desaparecia diante do barril. Certa feita contei a olho nu todos os seus ossos e ossinhos. Estavam lá todos eles: 206 ossos feios e mal-ajambrados. Muitos duvidaram de mim, achando que eu havia errado nas contas. Mas não. Para tirar a prova dos nove, resolveram abrí-la para confirmar. E assim foi feito. Depois de contarem e recontarem os ossos da menina, depois de montarem e desmortarem aquele quebra-cabeça, todos concordaram comigo: Era aquela quantidade de ossos que eu havia dito. Estavam lá os laminares, os longos, os curtos, os pneumáticos, os irregulares e os sesamóides. Dava até para ver os que protegiam o coração, o crânio e os pulmões. Alguns amontoavam-se lado a lado feito aviões. Outros pareciam caminhões. Montanhas e montanhas de ossos, ossinhos e ossões: todos dispostos em cima da mesa. Dos 270 ossos que Gabriela tinha quando nasceu, restaram esses que acabamos de contar. Os outros, confesso, não sei onde foram parar. Sei que montamo-la corretamente. Arrumamo-la direitinho como se nunca houvera sido profanada. Sei que não deixamos fora dela um ossinho sequer. Ela estava perfeita: parecia uma boneca de osso. Igualzinha como estava quando abrimo-la. Assim ela poderia crescer e virar uma linda mulher. Uma mulher pele e osso, sim senhor. Mas como dissemos no começo: de uma magreza estonteante.
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