ATÉ O FIM





Era um mal estar tão grande nos ombros, que a vida pesava o dobro da cruz. Era difícil carregar tanto peso nas costas, mas já que a cruz era dele, empunhava-a soberana sobre a corcunda: como um troféu. Tinha restado muito pouco do que se orgulhar. A vida tinha lhe sido tão dura, que arrancou-lhe os ossos. Dignidade para ele era uma palavra amarelada na contra-capa de um livro. Uma palavra que ficara ali com vergonha de si mesma. Uma palavra que passava o tempo escondendo-se das outras. Ficara espremidinha entre o sei lá o que, e o não sei que lá, esperando que o tempo desaparecesse diante dos seus olhos. Assim sumiria do mundo, levanto junto consigo, a vergonha de ser tão envergonhada.

Vergonha também era a primeira letra do nome dele. Era a única que lhe restara após anos de penúria. Ele era um homem bom, mas tinha tão pouca sorte, que se tocasse na alma de alguém, o sujeito desencarnava. 


Ainda ontem caminhando pela rua: um piano caiu em sua cabeça. Veia lá do 18º andar e lhe acertou em cheio. O piano fez um estrago danado. Ele ficara achatadinho como uma uva passa. Ou melhor: como uma panqueca. O detalhe não importa. Seria cruel demais relatar quantos pedaços seus ficaram espalhados na praça. Um até foi parar diante do meu pé. Outro mudou-se para dentro de um copo. Mas não entrarei em detalhes. Não, não. Só vou dizer que foi uma visão dos infernos. Uma visão dos infernos sobre o sol nascente. Isso mesmo. Dizem que o sol nasce ao meio-dia no inferno. Por isso lá estava ele, estatelado no meio da rua, sob o sol do meio-dia. Estava ali: com o piano a afundar-lhe os ossos do crânio. Um pobre diabo, que de tão pobre que era, nem pode gritar por socorro. Economizara até o grito. Economizara o seu instante de dor. Ficou ali quietinho, até que não mais aguentou, fechou os olhos e morreu.      






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