BONECA DE PANO
Estou com aquela bendita fome que dilacera-me os lábios. Há algo em mim que me espreita, dá dois ou três soluços, depois vai embora. Tenho sentido muita raiva ultimamente. Raiva da inércia humana. Raiva de ouvir notícias ruins. Raiva de ver gente demais, fazendo coisas demais, e não realizando nada. Hoje acordei com dor de gente. Lavei o rosto com meu próprio vômito, depois adormeci. Tenho uma verborragia urgente que insiste em me regurgitar. Tudo que em mim toca, transforma-se em raiva. A alegria me agonia. A felicidade me dá cãibra. Tenho sentido muita apatia, muita falta de poesia. Vejo os corredores dos shoppings cheios. Sacolas e bolsas abarrotadas de dejetos. Tenho raiva dos consumistas. Detesto os capitalistas. Essa democracia que vejo por aí é uma falácia. A minha raiva é o único motivo que me põe de pé. É por ela que me levanto todos os dias. É por ela que vivo. Raiva dos ricos, raiva dos pobres, raiva de quem precisa de tudo e não reivindica nada. Raiva de Proust e de Dostoiévski. Raiva de mim. Raiva dos meus elogios. Raiva dos meus galanteios. Raiva dos amigos que me abraçam o tempo todo e me enchem de carinho. Raiva da minha família e desse comportamento de comercial de margarina que eu detesto. Raiva até do meu cachorro que abana a cauda toda vez que me vê. Eu que queria um amontoadinho de coisas. Eu que desejava tão pouco da vida. Eu que esperava tão pouco do ser humano, sou cercado de amor. É tanto amor que me oferecem, que tenho raiva de sentir o que sinto. Raiva de sentir raiva. Raiva de ser fiel, condescendente, coerente, inteligente, sensual. Raiva de ter talento. Raiva de ver e enxergar tanto sofrimento. Raiva de viver num país de brinquedo e conviver com pessoas de plástico. Raiva de nunca ter ido a lua. Raiva de comer coisa crua. Raiva de não saber cozinhar.
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