I DON’T WANNA MISS A THING
Tem vezes que amanheço com saudades de Clarice. Não é de Tchecov ou de Brecht. É saudades de Clarice Lispector. Para minimizar as saudades recorro ao “Livro Branco”. Este é o nome secreto, a forma como me dirijo ao “A Descoberta do Mundo”, meu livro de cabeceira. Ali Clarice está com a alma nua. Lá Clarice descortina-se para mim. Este é o nosso segredo aqui revelado: Clarice fala comigo. Hoje falou-me por intermédio de um texto chamado “São Paulo”. O texto é na verdade uma carta: de Fernanda para Clarice. A Fernanda a qual eu falo é a Montenegro. Linda, talentosa, encantadoramente jovem. Na carta Fernanda fala dos desnivelados anos da Ditadura Militar no Brasil. A carta data de 1968. Muito bom conhecer esta outra Fernanda Montenegro que tem a alma postada no espírito de Clarice Lispector. Digo outra, pois esta não conhecia. Conheço–a da TV. Conheço-a do teatro. Conheço-a do cinema. Mas esta que aqui relato é tão humana quanto eu. Não que a outra não seja. Contudo esta dialoga comigo como o faz Clarice. Não que a outra não dialogue. Todavia esta não vem com um personagem embutido. Embora todos sejamos personagens de nós mesmos. Mas esta não "mente" para ganhar a vida. Não vive o texto com a retidão do autor. Porque esta, Fernanda, nada mais é do que ela mesma. Por isso quando fala com Clarice: fala também comigo. Quando fala do mundo: descreve meu umbigo. Quando indaga-se sobre a soberania da vida e os momentos indigestos que a demência humana é capaz de criar, fala aquilo que sinto e que não consigo verbalizar. Daí me convenci do que já sabia: não é à toa que Fernanda é uma deusa do Teatro. Não é por acaso que ela é a excelência em pessoa. Ela é gente de verdade: que chora, que ri, que se emociona. É o tipo de espírito que a gente vê de longe que tem alma dentro. De gente assim eu gosto. E gosto mais ainda quando a pessoa se expõe sem promover o escândalo. De escândalo eu não gosto. Mas de pensamentos tangíveis, sim. A partir de hoje a Fernanda faz parte do meu time: O Clarice Lispector Intelectual Clube.
O meu coração tem vivido as mais belas coisas do mundo. E eis que me chega Fernanda, e fala comigo, como se fosse Clarice.
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