BE MY BABY






Ela deu ao filho um pedaço de pão dormido, e disse que roesse calmamente, porque seria a única coisa que comeria nos próximos três dias. Roesse sim, pois viviam feito ratos: catando lixo nas lixeiras, trepando nas trepadeiras, ludibriando a morte com algum sortilégio de mágico. Era difícil viver assim. Um dia não tinham nada, no outro também não. Às vezes passavam semanas a lamber sabão. Em alguns momentos eram meses de silêncio e solidão. Ela pedia a Deus caridade. Pedia ao Criador paciência. Vivia entre o absurdo e a demência, mas acreditava que um dia as coisas iriam mudar. Era um desejo de mãe ver o filho crescer forte e saudável. Contudo, às vezes a sobrevivência nos prega uma peça, e nos vemos obrigados a reciclar o lixo e tirar dali algum sustento, para depois morrer. Era um restinho de molho numa lata de sardinha enferrujada, ou um pouco de feijão azedo embrulhado num jornal, ou ainda um arroz embolorado, que se jogasse um pouco de farinha, dava para comer. É claro que essa vida desgarrada deixa a gente doente. Viver à margem da sociedade, brincando de ser gente, dá uma dor de estômago danada. Assim viviam esses dois: mãe e filho mutilados, fazendo das tripas coração, para poder viver.        

Ele roeu o pão devagarinho, como quem faz um afago na morte. O pão estava tão duro, que parecia ter dormido semanas. Pensou em umidecê-lo com um pouco de leite. Mas leite não tinha: melhor água. Entretanto, a água era barrenta. Tinha gosto de urina de porco. Aquilo ali era mesmo um chiqueiro. Natural que os porcos urinassem naquela nascente. Ou melhor: morrente. As migalhas duras de pão, a casca seco, o sol escaldante, a vista turva, a turbação do pensamento, o medo, o azar, a falta de sorte. Tudo isso resumia-lhes sem ao menos lhes tocar.

Esta manhã, ele pediu mais pão. Ela disse que não tinha. Ele pediu uma mão d’água. Era assim que eles bebiam: usavam a mão e não o copo. Ela respondeu-lhe que não havia água suficiente para os dois beberem. Tiraram a sorte no palitinho. O menino ganhou. A mãe trouxe então a mão d’água. Ele bebeu, fechou os olhos e adormeceu.

A mãe desanimada da vida, voltou-se para dentro de si mesma, e como um espírito em processo de ovoidização, perdeu a forma e o eixo, deixando do lado de fora, a imagem de um perispírito, que a pouco se desmantelou.

– A fome mata, mamãe?  – perguntou-lhe o filho.

– Cala a boca e morre – respondeu-lhe a mãe.  


   
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