Ela descia o Beco dos Três Engenhos, carregando um buquê de rosas vermelhas. Caminhava distraída, como quem carregasse uma cruz tão pesada nos ombros, que fosse difícil concatenar qualquer coisa. A separação transformara-lhe numa mortalha. Andava de um canto para o outro como uma alma penada. O marido havia saído de casa para viver com outra mulher. E para ela que sempre fora a menina dos olhos do mundo, era humilhante ser trocada por uma fulana qualquer. Vivera décadas num relacionamento “modelo”, onde todos apostavam suas fichas, que seria para sempre. As amigas tinham-na como exemplo de felicidade. E ela, tola de dar dó, acreditou que vivia um casamento de conto de fadas. O marido não era grande coisa: um velho beberrão, que era mais lamentável do que adorável. 'Mas para uma mulher de sua época, era melhor viver com um traste do que ficar sozinha' – pensava. Nunca prestara atenção naquele ditado que diz: “Antes só do que mal acompanhado”. Achava deselegante envelhecer sozinha. Nem pensava na possibilidade de arrumar outro homem. 'Mulheres como eu, que carregam o peso da humanidade nas costas, não se dão a tal desfrute' – dizia. 'Sou uma mulher honesta. Só tive um homem na vida. Deus me livre, a essa altura da minha biografia, sair por aí caçando homem'. 'A retidão de caráter impede-me de ser leviana'. E assim, com um pensamento tão classe média, seguia juntando caquinhos aqui, caquinhos ali, na esperança do marido voltar. Impossível. Ele já estava feliz, – vivendo uma vida que com ela nunca tivera. 'Ela era conservadora demais. Antiquada demais. Gostava de lençóis de linho egípcio bordados à mão. Acreditava em elementais. Perdia horas lustrando velhas pratarias. Uma pessoa suspensa no ar, perdida entre o passado e o presente, sem nenhuma perspectiva de futuro' – dizia. Ele a deixara como quem varre a sujeira para debaixo do tapete. 'Não envelheceria ao lado de uma mulher que preocupava-se mais com a decoração da casa do que com o bem estar do marido'. Mas não era bem assim... Essa era a visão que ele tinha dela. Esquecera-se dos anos de penúria que viveu, e ela ali, cozinhando, lavando e passando para fora, – para ajudá-lo. Esquecera-se do tiro que levara numa briga de bar, e ela lá, envergonhada e solidária, arrastando-o pela rua, engolindo os impropérios da vizinhança, mas de cabeça erguida. Afinal, o alcoólatra era seu marido. Não o abandonaria nem por um decreto. Ele esquecera-se ainda, das vezes que ela até fome passou, para que sobrasse mais comida no seu prato. Esqueceu-se de coisas tãoíntimas, tão secretas, tão pessoais, – aquelas que francamente não contamos para ninguém, porque nos dão vergonha, nos expõem demais, nos desmaterializam. Ele vivera ao lado de uma mulher que apenas queria ser feliz. Apenas isso e nada mais. Entretanto, desejava tão pouco da vida, que acabou sem nada. Agora estava ali, carregando aquele buquê de rosas vermelhas, – imaginando o que seria de sua vida. Não tivera filhos. Parentes próximos, – improvável. O jeito era seguir adiante, quebrando de ladinho, até talvez, quem sabe, reencontrar a felicidade perdida. Felicidade esta, que aliás, jamais tivera. Mas isso é outra história.
Ela lembrou-me um velho tamanco de madeira, usado para segurar a porta nas tardes da Mouraria.
Muito legal esse texto, cara. Longe de toda a bobagem que existe na internet, seu blog é o porto seguro de quem gosta de arte, música, filosofia e literatura. Tudo aqui é cult, meu brother! Você é um gênio, cara! Abs!
"Nascer, viver, morrer, renascer ainda e progredir sempre, tal é a lei." (Allan Kardec) Anilza Forever: Anilza Leoni, minha madrinha, é para mim aquela pessoa que possui o sagrado da alma no coração. Viveu mergulhada no oceano do amor de Deus. Viveu de forma tão intensa, mágica, ética e criativa, que certamente ao desencarnar, levou consigo a força de milhões de aplausos; — e brilha, como toda estrela cadente, nas paragens infinitas do universo. Lembro-me de Anilza me ligando para falar do meu aniversário, com uma semana de antecedência, querendo saber onde iríamos comemorar a tão esperada data. Anilza estava ensaiando a sua próxima peça teatral — "Mário Quintana — O Poeta das Coisas Simples", que ela não chegou a estrear. E sabendo o quanto ela era perfeccionista, o fato de me ligar no meio do ensaio, significou muito para mim. Naquele momento, deixou o rigor do profissionalismo de lado. Naquele momento;...
God Save The Humanity! Em meio a tanto marasmo e falta de perspectiva mundiais, chega o tão esperado dia daqueles que certamente serão, o futuro rei e rainha do País de Gales: O casamento do Duque de Cambridge, o príncipe William Arthur Philip Louis, – Guilherme de Gales, – e da plebeia Catherine Elizabeth Middleton, – na Abadia de Westminster. O mundo parou para ver Sua Alteza Real casar-se com uma jovem predestinada a ser a nova princesa do povo. Desde a morte de Lady Diana em 31 de agosto de 1997, não se via tamanha euforia nos arredores do Palácio de Buckinghan: 29 de abril de 2011 – foi o dia que Londres parou mais uma vez. Lembro-me que ainda ontem assistia pela enésima vez o filme “The Queen” (A Rainha), de Stephen Frears, que deu à veterana Helen Mirren, o Oscar de melhor atriz em 2007. Brilhante interpretação, diga-se de passagem. Helen faz tão bem o papel da rainha Elizabeth II, e fica tão pare...
“ Je suis tr è s d é sol é , mon amour. Mas o meu para í so é a Terra ” . (Betto Barquinn) Ele acordou cedo, fez o sinal da cruz, rezou o Pai Nosso e começou a escrever: Ele acordou cedo, fez o sinal da cruz, rezou o Pai Nosso e começou a escrever: A gente fica tentando descobrir, quem além de Nero botou fogo em Roma, ao invés de procurar o que há de errado dentro de nós. O ser humano costuma colocar chifre em cabeça de cavalo. Tentando dar nome aos bois — perdemos tempo. Whatever... Os ataques nucleares causados pelos bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki, — promovidos pelos norte-americanos contra o Império do Japão, — mostraram ao mundo que ninguém está imude ao poder implacável da mão do homem. O que nãoquer dizer, que a natureza não devolva o troco, — com juros e correção monetária.“Little Boy” caiu sobre Hiroshima em 6 de agosto de 1945. “Fat Man”, a outra bomba nuclea...
Você é um gênio, Betto! Parabéns, meu Rei! Bjs!
ResponderExcluirO seu blog é ótimo, Betto. Texto impecável! Amei!!!
ResponderExcluirMuito legal esse texto, cara. Longe de toda a bobagem que existe na internet, seu blog é o porto seguro de quem gosta de arte, música, filosofia e literatura. Tudo aqui é cult, meu brother! Você é um gênio, cara! Abs!
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