LARANJA MADURA






Hoje acordei com ganas de ser mimado. Tinha umas contas para pagar: paguei. Tinha uns pedidos de desculpas guardados na gaveta: pedi. Acordei arrancando minha sujeira debaixo do tapete, e atirando-a no chão da sala, – para ver se enfim começo a viver menos culpado. Acontece que sou tão pobre e meus sentimentos vem aos borbotões, que às vezes esqueço que sou humano, falível, chato, mal-humorado e sem graça, – e quero resolver todos os problemas do mundo com a ponta dos dedos. Não existe varinha de condão para pessoas como eu. Aqui no meu mundo as coisas não resolvem-se num passe de mágica. Muito pelo contrário: dou um duro danado para sair da cama, pegar na lixeira a minha vidinha sem graça, e sair por aí dizendo para um e para outro, que viver vale a pena. Porque vale mesmo. Decidi seguir em frente: doa a quem doer. Não posso ficar parado e não vou ficar aqui dizendo que minhas dores são enormes, minhas ideias são estapafurdias e que fico o dia inteiro policiando-me para não sair correndo para bem longe de mim. Acontece que sou pobre mesmo. Vivo devendo aos outros, morro de vergonha de pensarem que sou desonesto, e embora não seja da filosofia do “quando puder eu resolvo”, na verdade é isso que me resume: “devo, não nego, pago quando puder”.  Porque sou um morto de fome. E minha fome de viver é de uma avidez atróz. Aliás, minha sede de viver é de uma estupidez verborrágica. Quero fazer muitas coisas: acredito piamente que se tivesse mais oportunidades seria alguém importante, e aí sim, poderia fazer toda a benfeitoria no mundo que tanto desejo: bobagem. Sei que daqui do meu pequeno mundinho matuto, já dou a minha contribuição. Não seria por um pouco mais de dinheiro que mudaria isso. Até porque quando falo da minha impotência, raramente penso em dinheiro. Falo mesmo da irritação que sinto por mim mesmo, quando perco a chance de fazer o bem. Às vezes estou correndo demais, com pressa demais, sem tempo para parar e ver que o outro nescessitou a um segundo atrás,  de um gesto de caridade vindo sabe-se lá Deus, – de alguma parte de mim. Eu posso ser melhor: eu sei disso. E isso me irrita. Fico irritado e confuso porque sou esse bosta que às vezes se odeia, às vezes se gosta, mas na metade do tempo fica como agora, filosofando sobre o que poderia ser, e na outra metade, se dá conta que foi sem nunca ter sido. Eu disse que era pobre demais: você que esperou de mim o que jamais pude dar.





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Comentários

  1. Você entende os sentimentos humanos como ninguém, Betto. Certamente você já entrou para o hall dos grandes escritores do mundo. Com tanta sensibilidade, talento e versatilidade, o sucesso é só uma questão de tempo. Só idiota que não percebe isso. Pode escrever! Abs!

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  2. Muito lindo o texto, Betto. Adorei! E o que mais gosto no seu blog é a profundidade dos seus textos. Tudo aqui é pensado, elaborado, profissional. Quero que você seja muito feliz, Betto. Que Deus te abençoe e faça com que você possa escrever cada vez melhor, levar a sua arte e a sua literatura a muitos corações. Desejo lê-lo em jornais, em revistas, em livros, em todos os lugares. Você sempre me lembra as crônicas da Clarice Lispector. Muito bom ter nos dias de hoje um escritor que escreve com a alma da Clarice. É como se ela estivesse viva, no meio de nós. E o que me deixa mais contente, é que no meio de tanta bobagem que existe na internet, vem você, uma pessoa tão simples, nos dar de presente um blog tão fantástico. Aqui existe arte pura! Aqui se faz literatura!!! Vida longa ao Rei, meu Rei! Beijos!

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  3. Um talento tão grande assim é coisa de gente grande, meu caro! Parabéns!

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