LOL!







Ele foi encontrado morto dentro de uma lixeira: do outro lado da rua. Debaixo de uma pilha de latas de cerveja, lama e solidão, havia um corpo apodrecido, que parecia ter sido jogado ali, a pouco mais de vinte e quatro horas. A rave tinha sido um sucesso, segundo os organizadores. Reunira centenas de jovens embalados pelos melhores DJ's da Europa. Os organizadores só esqueceram de considerar, que o número de hospitalizados suplantava e muito, o esperado em qualquer evento desse porte. O hospital mais próximo não comportava a quantidade enorme de jovens drogados. A cada hora via-se mais uma ambulância chegar lotada e outra sair, apinhada de gente. Era uma pilha de semi-vivos, ou melhor, semi-mortos, que lutava desesperadamente para sobreviver. Paramédicos e enfermeiros tentavam salvar o maior número de pessoas, mas na maioria das vezes, o esforço era em vão. Aqueles garotos, que não passavam dos vinte e cinco anos de idade, estavam morrendo. Muitos consumiram doses excessivas de ecstasy e ácido. Outros, altas doses de álcool. O cheiro de lança-perfume e poppers impregnava o ar com um adocicado enjoativo. Uma menina que não devia ter mais de quinze anos, passou correndo nua, gritando que queria sexo. Três tombos depois, caiu desmaiada numa poça de lama. Só não morreu afogada porque em vias de asfixia, socorreram-na. Mais uma que seria levada para a ambulância superlotada. Chegaram mais médicos. Os paramédicos e enfermeiros não davam conta de tamanha quantidade de gente, fritando feito massa de pastel ao sol do meio-dia. Ao som da batida eletrônica, a rave continuava como se nada tivesse acontecido. Quando caía um jovem convulsionado ao chão, os outros jovens chutavam-no para fora da pista. Cheguei a contar uns sessenta, que foram arrastados e jogados na sarjeta. Para abrir caminho, eram amontados uns em cima dos outros. O trance deixava todos em transe. 'Balas' (ecstasys) e 'doces' (ácidos) servidos aos montes. Todos estavam derretendo. Fritando. O sol nascendo. A balada da morte acontecendo. O corpo desintegrando e o cérebro queimando. Garotos sem camisa, exibiam suas tribais tatuadas em corpos sarados. Garotas semi-nuas arrastavam-se na lama, deixando para trás: cartucheiras, óculos escuros, shorts, piercings, blusas e bonés. 'Depois da onda vem a ressaca... Melhor dropar outra bala'Muitos chupavam pirulitos para não trincarem os dentes: Esse era um dos efeitos do ecstasy. O outro era a desidratação, causada pela anfetamina (efedrina, metanfetamina) e amido. Ouvi um médico dizer, enquanto assinava a certidão de óbito de um dos garotos que morreu na festa, que o ecstasy atinge o sistema nervoso central. E que o uso contínuo da droga sintética causa a destruição dos neurônios e sérios danos aos rins e ao fígado. Diante desse horror indescritível, cercado de tantos corpos, recostei-me a uma pilastra do necrotério e fiquei observando a remoção do corpo de Bob.




Bob e eu crescemos juntos. Fomos criados como irmãos.  Nascemos na mesma hora e no mesmo lugar. Por isso nossas mães tinham orgulho de termos crescido juntos. Sempre muito amigos, aonde quer que Bob estivesse, certamente eu lá estaria. Robert Kirk era seu nome. Mas para nós era Bob. Simplesmente Bob. Com eu, chegara a casa dos dezessete anos vendendo saúde. Bob queria ser médico. E eu, escritor. Acontece que nesta noite não tínhamos saído juntos. Bob dissera aos pais que iria para Bilbao com o time de futebol, rumo à final do campeonato estudantil. Mentira. Bob havia ingressado no 'trem da morte', rumo à Barcelona. Lá haveria uma rave para mais de dez mil pessoas. Bob que era todo festeiro, não podia perder esse evento. Então arrumou a mochila, deu um beijo na mãe, abraçou o pai, disse adeus ao cachorro, abriu a porta e saiu. Ainda na estação de Madrid, antes mesmo de pegar o trem, já havia feito mais de vinte e cinco novos amigos. E de lá partiram felizes da vida, rumo à Barcelona, inebriados pelo destino macabro que os aguardava no final da linha.                    





Hoje pela manhã, tio Kirk, pai de Bob, acordara com uma ligação da polícia de Barcelona, dizendo que comparecesse com urgência à Station House, local da festa, para identificar o corpo de um menino, que segundo às autoridades locais, era seu filho. Desesperado, o tio ligou-nos agora a pouco, pedindo que fôssemos com ele e tia Rocío, sua esposa, reconhecer o corpo de Bob. Mamãe, papai e eu, deseperados, arrumamos as malas e partimos rumo à Barcelona. Aqui chegando, vimos que aquele garoto que fora encontrado na lata de lixo, era o nosso Bob. 'Robert Kirk morreu de overdose de drogas', disseram os médicos. Na noite anterior à morte de Bob, tio Kirk tinha sonhado que Robert havia morrido. Fora um pesadelo horrível. 'Mas era só um sonho' – pensou. 'Robert estava com o time em Bilbao... ' 'Estava tudo bem' – concluiu. Mas Bob não viajou para Bilbao? – perguntou tia Rocío, quando se deu conta que o filho estava morto. Tio Kirk não disse uma só palavra. Apenas abaixou a cabeça e começou a chorar. 'Eu quero o meu filho vivo!' gritou tia Rocío. 'Traga meu filho de volta, Kirk!' – implorou. A equipe médica que atendera Bob, não podia fazer mais nada. 'Quando chegamos ao local da festa, seu filho já estava morto a pelo menos vinte e quatro horas, senhora. Atendemos muitos casos semelhantes e conseguimos salvar muitas vidas' – disse o médico. 'Mas no caso do seu filho foi diferente. Ele morreu muito antes de sermos avisados da catástrofe que se abateu sobre Barcelona'. Era tudo muito triste. Até os médicos não continham as lágrimas. Difícil ver tanta gente jovem morrendo e não se emocionar. Se tivesse sido um terremoto ou qualquer outra catástrofe natural, talvez nos resignássemos. Mas ver tanta gente morrer por causa do consumo de álcool e droga, era difícil de aceitar. Quanto mais em se tratando do nosso Bob: Jovem de classe média, talentoso, bonito, saudável, que desejava ser médico, e acabou morto no fundo de uma lixeira, à milhares de quilômetros de casa.



    

Depois de consumir quatorze comprimidos de ecstasy, Bob começou a passar mal. O grupo que o acompanhara de Madrid à Barcelona, afastou-se. Bob pediu ajuda, mas ninguém atendeu. Com falta de ar, caminhou alguns metros. Entrou em estado de choque. Parou. A pressão arterial baixou. A temperatura corporal subiu. A mistura de álcool e anfetamina fez seu corpo chegar à 42 graus. O sangue desidratou e virou uma borra. Os rins, o fígado e o coração não funcionaram, o cérebro parou e Bob morreu. Os novos amigos desesperados, arrastaram-no pelos pés por cerca de uns duzentos metros. Sem saber o que fazer, jogaram-no na lixeira mais próxima, ocultando seu cadáver com o lixo que recolherem no caminho. A causa mortis foi intoxicação por drogas e álcool. Dos quatorze comprimidos de ecstasy que ele tomara, no ato da necropsia, o legista encontrara dez comprimidos inteiros no estômago de Bob. Se a equipe médica chegasse a tempo, poderia ter usado o desfibrilador para tentar corrigir a arritmia. Colocariam-no no soro, fariam massagem cardíaca, certamamente uma traqueostomia para ventilação artificial, e aplicariam uma injeção de adrenalina para tentar reverter a parada cardíaca. Todo esse esforço para que o cérebro não parasse e Bob não  morresse. Mas isso tudo são só hipóteses: Afinal de contas, Bob morreu dentro de uma lata de lixo, agonizando por sei lá quanto tempo, sem o mínimo de socorro. Seus novos amigos tão drogados quanto ele, não tiveram outra saída se não abandoná-lo.       






O efeito do ecstasy inia-se de vinte a noventa minutos após ingerido. Normalmente toma-se com água e durante as horas seguintes, consome-se mais água, pois o organismo desidratado, sofre. Após tomar a 'bala' é normal sentir dor de cabeça, tontura, perda do equilíbrio, vertigem, perda da memória e déficit de atenção. Acontece a degeneração dos neurônios, perda do apetite, dilatação das pupilas e distorção visual, aumento ou perda de libido, os batimentos cardíacos aceleram, daí aparecem náuseas e vômitos, a desitratação é imediata, surgem os primeiros problemas hepáticos e renais, o  indivíduo apresenta disfunção erétil e dificuldade em atingir o orgasmo, a temperatura do corpo aumenta e pode chegar à quarenta e dois graus, o olfato e o tato ficam mais aguçados, o  indivíduo fica agitado, nervoso e trêmulo, entrando em depressão e fadiga por até uma semana após o uso da chamada 'droga recreativa'. Em suma, os efeitos colaterais são fortíssimos e Bob foi até a metade do caminho. Sentiu todos os sintomas da droga até a página dois deste livro. Ou melhor: deste obituário. Morreu muito antes de ter o olfato e o tato aguçados. Quando começou a desidratar, sem que soubéssemos, Bob já estava a um passo da morte. A droga que custa cerca de dez euros, levou o nosso bem mais valioso. O melhor amigo, filho querido, neto adorado, sobrinho predileto, campanhia agradável e o irmão de todas as horas. Agora, com a morte de Bob, ficamos todos orfãos.





'Drogas? Estou fora! Esconjuro, pé-de-pato, mangalô três vezes! Não me drogo nem que a vaca tussa três vezes na beira do riacho! Não gosto nem de ouvir esta palavra e o meu nome na mesma frase' – dizia Bob quando conversávamos sobre o assunto. Donde se conclui, que em se tratando de drogas, o melhor é nunca experimentar. Pois o cemitério está lotado de curiosos, descolados, falsos heróis, antenados, mortos-vivos e bobos da corte.     

'Nosso tesouro morreu, Kirk?' – perguntou-lhe a esposa.

Silêncio sepulcral.

O marido nada respondeu.  

– Um dia ainda hei de ser escritor, Bob. Meu primeiro livro será sobre você. A medicina ficou para a outra vida, não é meu amigo? Estamos todos bem, sim. Não se preocupe conosco. Vá em paz e que Deus lhe abençoe.       

XD

Lol!





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Comentários

  1. Martha Bezerra de Holanda12 de julho de 2011 às 11:37

    Bettinho, querido! Esse seu novo texto é bárbaro, meu Rei! Você sempre à frente do seu tempo, amado! Amei!!! Bjs!

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  2. Paulo Roberto Figueiredo de Melo12 de julho de 2011 às 20:16

    Muito legal o novo texto, Betto! Como sempre, você é o melhor! Abs!

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  3. Maria do Perpétuo Socorro da Silva Mota13 de julho de 2011 às 08:22

    Oi Betto Barquinn! Levei o Laptop para a aula e discuti sobre o seu texto 'LOL' com os meus alunos. O texto é perfeito para abordarmos o assunto 'drogas' e deixarmos que os alunos tirem as suas próprias conclusões. A sua Arte contribui e muito para as minhas aulas, Betto. Sou professora aqui no Piauí e dou aula na zona rural de Teresina. E ter acesso aos seus textos ajuda diariamente, aos meus alunos e a mim, a conhecermos melhor o mundo que nos cerca. Desejamos toda a sorte do mundo para você, querido escritor. E quando puder, venha à Teresina e faça-os uma visita. Você não faz ideia do número de fãs que tem aqui no nordeste! Beijos!

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  4. Rosane Marcondes Ferraz14 de julho de 2011 às 06:29

    Betto, você não tem ideia do quanto o seu texto é capaz de mudar a vida das pessoas. Eu mesma, já vim até aqui tão triste, querendo uma palavra de conforto, e quando percebi, lá estava eu relaxada e feliz, lendo um de seus textos. Muito bom ficar quieta no canto lendo Betto Barquinn. Parabéns por ser esse homem tão especial. Bjs!

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  5. Como diria a minha avó: Seu texto é supinpa! Rs! Amei “LOL”, gatinho! Amei!!!

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