BOM TEMPO PARA PATOS


Ele tinha um jeito louco de andar pelas calçadas da vida. E isso, vez por outra, causava um certo embaraço. Ontem mesmo, cruzando a rua do Ouvidor, percebeu que ali, entre transeuntes desavisados e carros disparados; em uma esquina intervalada pelo nada e coisa alguma, pousara descansado: um pato. Pensou em seguir a vida como de costume, passo a passo, mas decidiu ficar ali mesmo; encostado a um poste, e se dar esse presente. Digo presente, porque ter o bom-senso de parar, quando todos parecem apressados demais para dar algum sentido à própria vida, parar tem o seu valor. Era como se dissesse ao tempo: Chega! Era como se dissesse a si mesmo: Eu mereço! Quando despertou de seus inúmeros pensamentos, ele que achava que sabia tudo; observava o pato, e por este, era observado.   Naquele instante em que os olhos se encontraram, na vida dos dois algo mudou. Os gomos entrecortaram-se, e depois voltaram-se um para dentro do outro, como num abraço. O que um pato fazia ali parado num lugar tão inóspito para patos? Não quis responder. Esse é o tipo de pergunta que vale mais por si mesma do que pelo sabor da resposta. Deve ter ficado ali, não mais que cinco minutos, admirando o pato,  que olhava-o de volta, — admirado também. Posto isso, saiu andando pela rua sem olhar para trás. Não quis saber se mais alguém tinha visto o pato. Não quis dividir o seu segredo com ninguém. Porque pela primeira vez alguém o tinha olhado nos olhos com tanta verdade,  que em se tratando de um pato, se contasse a alguém,  pareceria louco. 

É verdade… Ele andava rápido demais para um moço de sua idade. Compreendia as entrelinhas da vida com a rapidez de um relâmpago. Hoje, pensando nele e no pato, chego à conclusão que ambos pararam ali; na esquina da Primeiro de Março com a rua do Ouvidor, porque essa foi a forma que encontraram para provar a si mesmos que estavam vivos. O segredo é tratar cada um como se fosse único. A decisão que não é nada fácil. Por isso acaba ficando para o dia seguinte.            

Eles que acharam o patinho feio, não perceberam que se tratava do mais belo cisne que a natureza criou.


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Comentários

  1. Você é um amor, Betto. Adorei!

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  2. Que bonitinho, Betto! Você é uma delícia, querido. Bjs!

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  3. Carlos Daniel Pereira Passos2 de julho de 2011 às 07:58

    Muito profundo, Betto. Cara, demais! Abs!

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  4. Genial, Betto! Quanto mais você escreve, mais me surpreende. Não existe um só dia que eu não leia um texto seu. Abração, meu Rei!

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  5. Luiz Alfredo Javier Bastos2 de julho de 2011 às 15:54

    Muito bom, Betto! Felicidades, meu Rei! Abs!

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  6. Pois é, foi nessa esquina que eu já fiquei com cara de pato :/ Mas ler o texto superou essa lembrança :D Adorei.

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  7. show... é interessante notar como é cada vez maior a velocidade da vida, e como nos reconhecemos cada vez menos nela... cinco minutos de contemplação nos aproximam mais de nós mesmos...

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  8. Que coisa linda, Betto! Deus te conserve assim: Maravilhoso! Amo muito você, Betto. Bjs!

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  9. Armando da Silva Junior4 de julho de 2011 às 06:23

    “Bom Tempo Para Patos” é uma preciosidade, Betto. Aqui você consegue de forma impecável, dizer em poucas palavras, o melhor da vida. O seu texto é indiscutivelmente uma obra de Arte. Meus parabéns!

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  10. Rosa Maria Pereira da Silva4 de julho de 2011 às 08:50

    Maravilhoso, Betto!!! Amei!!!

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