DOAMNA MEA






Semana passada roubei de uma loja uma coruja de plástico. Ela é um bicho esquisito, que recita em árabe “Os contos de Shakespeare”. Confesso que senti medo dela. Mas depois acendi um incenso, dei dois ou três espirros, e então relaxei. Primeiro, ela me contou a história de “Sonho de Uma Noite de Verão”. Pulou para “A Tempestade”. Quando pedi que parasse, ela leu para mim: “Conto de Inverno”. Quando não aguentava mais ouvir aquilo tudo, ela mandou-me ficar quieto, e num uníssimo piado me deu “Muito Barulho por Coisa Nenhuma”. Depois fez um sim com a cabeça e declamou: “Como lhes Aprouver”. Fiquei com dor de cabeça, e ao invés de um analgésico, ela me deu: “Os Dois Cavalheiros de Verona”. Saí correndo e caí na escada. Ela veio voando, disse-me que aquilo não era nada, que passasse gelo nos joelhos e voltasse para o sofá da sala. Não reagi, e antes que me desse conta, estava lendo para ela: “O Mercador de Veneza”. Ela sorriu e cantou “Cimbeline”. Eu não me fiz de rogado, e li para ela “O Rei Lear”. Ela assustou-se comigo e me disse tudo sobre “Macbeth”. Paramos para fazer um café. Lá pelas tantas, estávamos os dois às gargalhadas, lendo “Bem está como bem termina”. Num rompante, ela tirou-me o livro das mãos, e me leu “A Megera Domada”. Peguei o livro de volta e reli “A Comédia dos Erros”. Demos um beijo e fizemos bolo de chocolate. Já estava anoitecendo, fechamos às janelas, ligamos o aquecedor, sentamo-nos na pia da cozinha e lemos a uma só voz: “Olho por Olho”. Ela engasgou quando lia “Noite de Reis, ou o que quiserem”. Eu tossi quando li “Timon de Atenas”. Mas o momento que viramos borboleta, foi quando acabamos de ler “Romeu e Julieta”. Paramos um pouco, depois voltamos a ler ”Hamlet, Príncipe da Dinamarca”. Encerramos a noite com “Otelo”. Acordamos cedo e lemos “Péricles, Príncipe de Tiro”.


Hoje voltei à loja e devolvi a coruja. O vendedor ficou calado e disse que ia me devolver o dinheiro. Não entendi nada. Disse a ele que tinha roubado a coruja. Mas mesmo assim, ele disse que eu não poderia sair dali com as mãos abanando. Fiquei com dó da coruja, saí correndo com ela nos braços, bati as asas e voei.                   


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