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Ela havia aprendido nas aulas de etiqueta, que elegância era tratar o mundo com educação. Era domingo. E como todo fim de semana tirava os dias para ajudar, lá ia ela, donativos na mão, caminhando para o azilo do bairro. Chegando lá levaria beijos, abraços, conselhos, amor, carinho, dedicação e afeto, em doses homeopáticas. Envelhecer para ela era uma benção. E já que tinha o suficiente para viver, imaginava o sofrimento daquele que não tinha o mínimo para abastecer-se de dignidade. Ela era daquelas pessoas, que quando por nós passavam, deixavam um perfume de Deus no ar. Era impossível não se emocionar com a sua presença. De vez em quando, uma lágrima fugidia, rolava pelo seu rosto, como um desabafo. Era um choro contido, que estava mais para felicidade do que para tristeza. Ela sentia aquela coisa difícil de explicar, que só quem faz o bem sem olhar a quem, entende. É como se a alma se expandisse e fosse para um lugar tão próximo do Criador, que fosse impossível mensurar onde fora parar. De certo era acima das nuvens. De certo era acima dos céus. “Há muitas moradas na Casa de meu Pai” – pensou. “É para lá que eu vou”. “Para uma de suas muitas moradas...”. E ia mesmo. Ia para um lugar de tamanho bem-querer, que era difícil dizer. Devia ir parar no quarto do santos, na residência dos bentos, nos aposentos de Deus, onde moram os sentimentos mais profundos. Ela era um anjo de carne e osso, que sentia tudo que a gente sente, mas como vivia com a cabeça nas nuvens e o espírito no céu, as dores desse mundo chegavam-lhe frescas como a brisa, quando não, passavam por ela, retornando ao mar.

Os velhinhos do azilo a adoravam. Muitos não tinham família. Muitos eram pais de filhos covardes, que ao verem a senilidade dos seus, resolveram deixá-los numa casa de repouso, como se fossem um pacote. Ela dizia que família nunca é descartável. “É possível reciclar sentimentos, amadurecê-los e torná-los melhores, mais fortes, mais humanos, mais próximos da imagem e semelhança de Deus. Mas jamais jogados no lixo. Bons sentimentos nasceram para serem preservados. Sentimento preservado é sentimento doado. Não se deve guardar os bons snetimentos numa caixa. Pois se assim o fizermos, criamos mofo, empoeiramos, enferrujamos. Os bons sentimentos não nos pertencem. São um empréstimo de Deus”. Pensando desse jeito, e agindo dessa forma, ela transformava-se de uma senhora da alta sociedade, em uma senhora apenas. Era doce, gentil, amável, segura. A sua obra social era tão sensível, tão imaterial, tão cheia de graça, que começara no átimo em que ela nasceu, e iria até o derradeiro segundo de sua morte. Tratava os empregados com delicadeza, os filhos com afeto, os netos com amor, os conhecidos com tolerância e os desconhecidos com esperança. Deixava um pouco de si nos outros. Gostava de escambos e trocas. Sabia que por mais estranho que o outro fosse, tinha algo a ensiná-la. E ela, generosa que só, tinha sempre algo a aprender. “Saber ouvir é uma dádiva de Deus” - dizia. Estar apto à aprender é um exercício de humildade. E ela não só ouvia como aprendida. Dizia receber mais que doava. Dizia-se uma afortunada. “Dinheiro não traz felicidade não, sabe?”. “Felicidade vem com perdão, com presença, com afago no peito e aperto de mão”. “Felicidade nasce e morre todo dia com a gente. Felicidade é ter alegria. É acordar esperançoso. É ser virtuoso. É enxergar a bondade nos olhos dos outros”.

Um amor de pessoa, não é? Unforgettable.





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Comentários

  1. Nesse dia frio, nada melhor que passar no seu blog, chocolate quente, óculos pra miopia, relaxar na poltrona e ler os seus textos. Adorável, Betto. Sempre sou movida por um sentimento de espera, de calor humano, de satisfação, quando estou no seu blog. Você é o escritor que mora no meu coração. Depois de Clarice Lispector é meu escritor predileto. Muito bom saber que existe você nesse mundo. Amo isso aqui, querido. Vida Longa, meu Rei! Bjs!

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  2. Luiz Fernando da Silva Pinto12 de setembro de 2011 às 06:14

    Faaaaaaaaaaaaala Bettão! Blz? Brother, show o teu blog! Adorei o texto fera. Você consegue de forma muito clara, passar tanta emoção nos seus textos, que é impossível dizer quem é autor e quem é personagem. Para isso o escritor precisa ter muito talento. Essa mistura entre autor e personagem, traz para o leitor uma identificação imediata, porque o leitor acaba se misturando ao texto, e ele mesmo passa a se sentir personagem. Muito bem sacado, Bettão! Mandou muito bem! Abraços!

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