MAS O MENOS






Ela gostava de escrever. Tinha o dom para as letras. A literatura era para ela o que para nós é o ar que respiramos: vida. Escrevia magistralmente. Impecável como aquele sentimento que nasce com a gente e nos inspira a viver: amor. Era um doce, sim senhor. O que ela escrevia beirava o inclassificável. O que ela escrevia tinha foco narrativo, enredo, personagens, tempo e espaço, conflito e desfecho. Escrevia em terceira dimensão sem tirar os olhos do papel. Escrevia como escreveria um personagem de Hayao Miyazaki: como quem escreve uma obra de arte. Não era conto, muito menos crônica. Podia ser romance, fábula, epopéia, novela, ensaio. Podia ser do gênero dramático. Podia ser elegia, epitalâmia, sátira, farsa, tragédia ou poesia de cordel. Podia até ser comédia, comédia musical, commedia dell’arte, drama, melodrama, mistério, pantomima, romance, romance policial, romance psicológico, tragicomédia, teatro de marionetes, teatro de máscaras, vaudeville, teatro de improvisação ou performance.  Mas não era nada disso. Era literatura apenas. Era o gosto de escrever materializando-se. Entendia-se prosa e verso. Através da poesia exercia o difícil ofício de escrever. Comportava-se como uma sacerdotisa da arte. Uma operária do vocábulo a serviço da vida. Por isso entendia-se poeta e não poetisa. “Poesia é coisa de gente de alma grande e para isso independe se o escritor é homem ou mulher. Aliás, escritor não tem sexo. O ato de escrever tem a ver com encaixe, com empatia, com o exercício de regurgitar o que há de melhor e de pior no outro: dentro de nós mesmos. É colocar-se no lugar do espelho de Narciso. É refletir aquilo que a alma rejeita e o espírito esconde. É expor o coração em cima da mesa e deixar com que seja analisado por todos. É agregar espírito à matéria. É não fazer juízo de valor. Apenas vivenciar  o sentimento palatável do ser humano”. Era assim que ela pensava. Era assim que ela se comunicava com o mundo a sua volta: como alguém dentro de um livro. Como alguém movido por suas questões filosóficas. Como alguém envelopado e mandado para fora de si nas entrelinhas de uma carta. Poeta formado por correspondência, sim senhor. Ou melhor: escritora e também escritor.


        

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