TIVE RAZÃO





Eu sou um estranho em mim. Não vejo nada de meu neste corpo que habito. Tirando o estranhamento, nada aqui me pertence. Estranho até quando choro. Acho esquisito sorrir. Que músculos são esses que me puxam de lá para cá? Que expressões são essas que me movem de cá para lá? Até os sentimentos confundem o meu estranhamento. Quando me pego contente, me pego chorando. Quando a tristeza é profunda: a felicidade abunda. Quando estou triste: aflora em mim um sorriso. Quando estou alegre: brota em mim uma lágrima. Esse eu que me rasga a carne de dentro para fora... Esse ego que me atropela e me deflora... Estranhamento. Eu vejo coisas que não identifico. Das duas uma: ou eu não sou deste mundo, ou fui tirado daqui ainda um feto, e fui embora num aborto: como um enjeitado. Abortado, sim. Alguém só pode ter me matado antes d'eu nascer. Alguma parteira assassina. Algum médico fajuto. Alguma mãe imoral.

Mas também posso ter ido sem ter chegado. Posso ter vindo sem ter sido chamado. Não sei. O que sei é que neste corpo sou um estranho. Quando calço minhas botas é como se tivesse os pés e as pernas tortas. Este corpo não me obedece. Aliás, ele não me respeita. Se quero gritar: ele cala. Se quero falar: o silêncio. O pior é quando me deito. Digo para a mente: aquiete-se; preciso dormir. Mas a mente faz que não é com ela. Quanto mais peço ao inconsciente que se cale; que vá dormir, mais ele faz barulho aqui dentro. Eu sou uma casa sem dono. A ordem aqui é bagunçar o coreto. Eu preciso dormir para sonhar, entende? Preciso sair deste corpo pelo menos uma vez ao dia. Fora dele é que me encontro. Fora dele me acho dentro de mim. Não é que não goste do meu corpo. Ama-o como amo a língua portuguesa. Mas como a língua, o corpo me trás rima, que não sei rimar. D'onde concluo que o pior repentista é aquele que não sabe "repentear". 

Por isso, meu Deus, me deixe ir embora. Preciso voltar para casa agora. Aqui o feijão queima. Aqui a morte vem sem avisar. Lá, não. No céu um cadinho de nada se torna muita coisa. No céu consigo fazer feijoada com um grão de feijão. Aqui, não. Aqui: nada. Não vejo a hora de alguém lá do céu vir me buscar, e como quem não quer nada, diga: "Sai desse corpo que não te pertence!".



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