LE PATRIOTE




Era um tragédia. Ela representava os últimos dias de Maria Antonieta na Torre do Templo. A personagem era aquela que puxava a vida para baixo. Estava de luto. Vestia-se de branco. Luiz XVI havia morrido a nove meses atrás. Só lhe restava a liberdade da lâmina da guilhotina. No palco um copo d’água e uma vela. Na platéia espectadores com lágrimas nos olhos. O monólogo seguia arrastado, como se caminhasse para o nada: rumo ao precipício. A atriz falava baixinho. Era quase um desabafo em lá menor. Quem estava sentado na primeira fileira, mal ouvia o que ela dizia. Da segunda metade do teatro em diante, era o silêncio em doses homeopáticas. O espetáculo era ruim. Alguns dormiam. Outros faziam palavras cruzadas. De repente ela deixou-se ouvir e o que era inaudível fez algum sentido. Ela dizia para a sombra de um homem pintado na parede: “Não houve um só momento na vida em que meu coração não tenha sido picado por cobras. Não devia ter deixado Viena e mudado-me para Versalhes. Foi ali que a minha vida acabou. Vá contar aos da direita o que os da esquerda já sabem. A minha vida não vale nada. Por isso deixe-me morrer em paz. Mas antes de sair, apague a luz de sua Edelweiss. Ao soprares a chama desta vela, despeço-me de ti. Todavia esquecer-me-ei de tudo, menos que afagastes minh’alma e enxugastes meu pranto. Sei que é errado desejar a própria morte. Sei que pessoas como eu acabam indo para o inferno. Entretanto engome seu redingote. Quero que o moço bonito esteja elegante quando segurar a alça do meu caixão”.

Era a cena final de “Lágrimas da Revolução Francesa”. Descerrada a cortina, a plateia aplaude, a atriz dirige-se ao proscênio e agradece, a caixa esvazia-se e o teatro volta ao silêncio dos deuses. Amanhã começaria tudo de novo. O texto equilibrando-se na ponta da língua, a solidão espreitando o palco, a vela acesa, os refletores inclinados propondo um olhar intimista, o sono, as palavras cruzadas, e o início do fim.

Ao sair do teatro a atriz se lembrou que no programa da peça estava escrito: “O amor é um grão de açúcar em um punhado de sal. A paixão é fogo de palha: mais dia menos dia vira um balde de água fria. Aí o chamego vai embora. Aí chega o tempo da partida, que faz da vida uma eterna despedida”.

Com os olhos rasos d’água atravessou a Champs-Élysées, fez sinal para um táxi, apagou o cigarro com a planta dos pés, tomou um antidepressivo, e pediu para o motorista levá-la ao Le Marceau Bastille. Chegando lá acendeu outro cigarro, pagou a corrida, e em meia hora já estava dormindo.

“Chegando à Place de la Revolution, Maria Antonieta subiu rapidamente os degraus do cadafalso. Ao pisar acidentalmente no pé do carrasco, disse-lhe: "Perdão, senhor. Eu não fiz de propósito." Às 12h15m, a lâmina caiu sobre seu pescoço. O carrasco pegou sua cabeça ensanguentada e apresentou-a ao povo de Paris, que gritava: "Viva a República!”.





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