ME LEVA EMBORA


Ela cresceu numa família desestruturada. A mãe culpava o marido pelos infortúnios do mundo. Dizia que depois de casada a vida virara um inferno. Falava isso na frente da filha, e de quem mais estivesse presente, sem o menor constrangimento. Eram discussões diárias. Insistia que a maternidade fora um erro. “Dizem que ‘ser mãe é padecer no paraíso’, mas para mim é sofrer no inferno!” — vociferava. Era simplesmente, e tão somente, uma casa: não um lar. O pai, irresponsável que só, gastava o que tinha e o que tinha no jogo. Perdia sempre: coisa que deixava a esposa ainda mais revoltada. A mulher, por sua vez, era dada ao álcool. Bebia o dia inteiro. Às vezes antes do café da manhã já estava com um copo de whisky na mão. E ela fumava… fumava muito. Eram mais de três maços de cigarro por dia. E a menina ali, assustada com o mundo a sua volta. O momento que era um refrigério para a alma, era quando estava na escola. Lá tinha professora, tinha coleguinha, tinha a hora da merenda. Tudo feito para deixar uma criança feliz. Lá também tinha livro de Beatrix Potter. Livro de Beatrix Potter, ela gostava. A escola para ela era o paraíso, ao contrário de casa, que de acordo com as palavras da mãe, era um inferno.

O tempo passou e a menina torno-se uma mulher de beleza indefinida. Um tanto atormentada, diga-se de passagem, como é todo aquele que cresce em um campo de concentração. Por conta dos traumas familiares, adquiriu uma síndrome do pânico difícil de resolver. Tinha medo de gente. E isso para uma pessoa adulta é um desastre. Ter medo de gente é ter medo de si mesmo. Ninguém vive tranquilo no mundo, receando o mal que vem de dentro. Medo de animal selvagem até dá para entender. Animal selvagem ataca. Entretanto, ela sabia desde muito cedo, que gente ruim é pior que bicho bravo. Gente ruim faz vingança. Gente ruim mata olhando no seu olho, depois vai ao velório chorar a sua morte. 

Passado alguns anos desde que saíra de casa, o pai morreu. A mãe, aliviada, casou com outro. Deste, a mãe apanhava. Com este, eram surras homéricas. Mas este, a mãe dizia que amava. Era vergonhoso aquilo. Sobressaltada e cansada da violência doméstica, a moça foi embora. Dezoito anos era a conta dos seus dias. Muito jovem, é verdade. Mas era mulher adulta. Podia dar conta do próprio nariz. Pois foi o que fez. Abandonou tudo e foi fazer a vida em outro estado. Primeiro morou na Califórnia, depois mudou-se para a Flórida, viveu um tempo na Virginia, e por último no Texas. Ali conheceu aquele que seria seu futuro marido, teve filhos, e quando estava para nascerem-lhe os netos, morreu. Nunca mais passou perto da casa da mãe. Nunca mais voltou à terra natal. Para ela, o Arizona era um ponto perdido no mapa.

Foi enterrada no quintal de casa, perto das flores. Dizem que até hoje seu túmulo tem cheiro de rosas. 


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