ANIMAL DE ESTIMAÇÃO




Na casa da minha infância tinha um papagaio chamado Felisberto. O bicho era um azougue! Passava o dia inteiro bradando: “A TV é o ópio do povo! A TV é o ópio do povo! A TV é o ópio do povo!”. Era uma gritaria de ensurdecer ouvidos moucos. Dava para ouvir à quilômetros de distância. Mamãe dizia que aquilo era coisa do vovô. Fora ele que ensinara o papagaio a dizer essas coisas. Tinha dias que era quase insuportável. Às cinco da manhã, antes mesmo do galo cantar, lá estava ele, dizendo: “A TV é o ópio do povo! A TV é o ópio do povo! A TV é o ópio do povo!”. Para evitar que o papagaio entrasse em crise, a gente nem ligava a TV da sala. Quando queríamos assistir algum programa, escondia-mo-nos no quarto à portas fechadas. Mas ele, esperto que só, descobria o nosso plano e vociferava: “A TV é o ópio do povo! A TV é o ópio do povo! A TV é o ópio do povo!”. Aí desligávamos a TV e íamos dormir. Nem desenho eu podia assistir. Novela, nem pensar! Lá pela casa dos onze, ele começou a dizer sua célebre frase em francês: “La télévision est l'opium du peuple! La télévision est l'opium du peuple! La télévision est l'opium du peuple”. Era novamente vovô ensinando coisa nova ao bichano. E vovô não se deu por satisfeito. Logo ensinou o papagaio a falar alemão: “Der TV ist das Opium des Volkes! Der Fernseher ist das Opium des Volkes! Der Fernseher ist das Opium des Volkes”. Aí  seguiu o espanhol: “La televisión es el opio del pueblo! La televisión es el opio del pueblo! La televisión es el opio del pueblo”. Japonês: テレビは人々のアヘンである!テレビは人々のアヘンである!テレビは人々のアヘンである。 Esloveno: "TV je opij za ljudstvo!TV je opij za ljudstvo!TV je opiatov ljudi”. Inglês: “The TV is the opium of the people! The TV is the opium of the people! The TV is the opium of the people”. E quando ninguém achava que o raio do papagaio podia aprender mais nada, começou a falar aquilo tudo em russo: Телевизор есть опиум народа!Телевизор есть опиум народа!
Телевидение является опиумом для народа. A notícia se espalhou como rastilho de pólvora pelos quatro cantos do mundo. Até da Ucrânia veio gente querendo ver o tal poliglota de penas. Era um entra e sai tão enlouquecedor, que aquela casa mais parecia um hospício.

Um dia o papagaio entrou em greve. Decidido, resolveu não falar mais nada. Nem uma palavrinha boba. Nada. Daquele dia em diante, era o silêncio absoluto. A gente ligava a TV e nada. Aumentava o volume e… nada. Mudava de canal: nada. Mamãe mandou chamar um veterinário amigo da família, e ele disse que o caso era grave. Tratava-se de “estrelismo agudo dos Psitacídeos”. Um mal raríssimo! Resumindo: o papagaio descobrira que o silêncio valorizava seu passe. Por isso decretara a tal lei do silêncio. Uma loucura! Imagina… Passe?! nem jogador de futebol ele era, ora bolas! Que negócio era aquele de valorizar o passe? Mas ele não deu o braço à torcer. Até porque não tinha braço! Foram dois anos assim… Ele olhava-nos aborrecido, dava de ombros, e escondia o rosto no meio daquele monte de penas. E olha que eu nem sabia que papagaio tinha ombros para dar! Mas ele tinha. Papagaios me mordam! Nunca vi bicho mais tinhoso que aquele! Um dia desses, depois de dez anos sem nos dar o ar de sua graça, o papagaio voltou a falar: “A TV é o ópio do povo! A TV é o ópio do povo! A TV é o ópio do povo!”. Foi uma festa! Vovô que estava entrevado, deu um pulo da cama, e foi correndo contar a novidade aos vizinhos. Mamãe, que entrara em depressão por causa do bicho, estava mais feliz que pinto no lixo. Até a casa arrumou como se fosse Natal: luzes acesas, pisca-pisca de todas as cores, toalha bonita na mesa, um primor! Animados, ligamos todos os aparelhos de TV ao mesmo tempo, no intuito de incentivar o palavrório do bicho. Teve gente que trouxe até o rádio de pilha, no caso de faltar luz, e  Felisberto voltar ao habitual silêncio dos últimos anos. Mas que nada… Ele falava sem parar: “A TV é o ópio do povo! A TV é o ópio do povo! A TV é o ópio do povo!”. Naquele dia ninguém conseguiu dormir. Era a excitação do momento! Agora que cresci, e deixei de ser criança, entendo que aquele bicho era a alegria da gente. Um mimo que custou-nos noites e noites de sono, mas valeu a pena. Fez das nossas vidas algo que nós mesmos jamais conseguiríamos sozinhos. Um dia ele se foi. Vovô deixou-o por ali, caminhando no quintal, sem a correntinha no pé. Resultado: o bicho deu no pé! Dizem que foi apoleirar-se no Retiro dos Artistas. Outros que foi para Hollywood estrelar um filme da Disney. Tornara-se protagonista da versão em 3D de “Zé Carioca”. Mas a verdade é que o que foi feito dele ninguém soube. Acho que virou churrasquinho de gato, coitado. Papagaio também vira.

Mês passado fui à uma loja de animais e comprei um papagaio para o meu filho. Decidi ensinar a este tudo que vovô ensinou ao outro. Quem sabe ele aprende… Quero que meu filho tenha uma infância saudável como a minha. Quero vê-lo crescer com um papagaio à cabeceira da cama. Mas agora a vida vem com upgrade: A TV, quem diria, é de LCD. Formidável! Vejam só como a vida é fantástica. Hoje, acordei cedo, e olha o que ouvi: “A TV é o ópio do povo! A TV é o ópio do povo! A TV é o ópio do povo!”. Aí exclamei: “Meu Deus, consegui ensinar o papagaio a falar!” Só que para o meu espanto, não era nada disso. O papagaio que comprei é mais burro que uma porta! E de certo, mudo também. O bicho não dá um “ai”. Mas se não era ele, quem seria? Encafifado, saí pela casa procurando de onde vinha a voz, que repetia letra por letra, a frase que fora imortalizada na minha família. E vejam só, senhoras e senhores: Era o bom e velho Felisberto que havia voltado… Isso mesmo: o bom filho à casa torna! Que Hollywood que nada… Ele estava ali na minha frente como se não tivesse se ausentado um segundo. Acho que hoje é o dia mais feliz da minha vida. Acho, não. Tenho certeza. Meu papagaio querido está de volta. Finalmente a vida voltou a habitar a casa da minha infância.


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