BOLÉRO




Era o primeiro encontro dos dois. Ele aparecera montado numa bicicleta, pois era dado à transportes não-poluentes. Ela, viera voando numa motocicleta, porque vivia com pressa. À primeira vista não havia nada que os aproximasse. Ele acreditava na força da poesia. E ela, bem… ela não acreditava em nada. Dizia que a vida era um turbilhão de acontecimentos. E destes, muito pouco sobrava, para dizer o que de fato a vida era. Mas ali, parados no meio da rua, havia sim algo que os fazia encantadoramente iguais: o amor. Ambos queriam viver aquilo que Shakespeare dissera em sua Obra: “Amor quando é amor não definha. E até o final das eras há de aumentar. Mas se o que eu digo for erro, e o meu engano for provado, então eu nunca terei escrito ou nunca ninguém terá amado”. Naquele instante, a pressa dela era calmaria;  e a doçura dele: letargia.

Ele era homem de sorriso no rosto. Privilégio de poucos hoje em dia. Acreditava na vida. Em tudo que a vida podia lhe dar. E mesmo que lhe faltasse comida na mesa, sabia que lhe sobraria criatividade. Um homem criativo é um homem de sorte. E quem tem talento e vocação para viver, não deixa a desejar. Pois não deve nada a ninguém. Portanto, ele trazia o coração resignado e a alma tranquila. Tinha a brandura dos Anjos da Guarda. Ela, um poço de agitação, era movida à terremotos, tsunamis, erupções vulcânicas e vendavais. Era uma força da natureza! Mulher capaz de transformar água em vinho: e de caminhar sobre as águas. Era o “Boléro”, — de Maurice Ravel, — tocado por uma bateria de Escola de Samba.

O encontro fora marcado no meio do caos. Era final de tarde em Nova York, e qualquer um que circule por Manhattan, sabe o que isso significa. O trânsito dá um nó. A vida, por mais que tente ser simples, vira um quebra-cabeça gigantesco. É gente saindo pelo ladrão! Parados em frente a uma das estações do The New York City Subway, eles nem perceberam que eram atropelados por um mar de gente. A estação Times Square — 42nd Street, que entre as quatrocentas e sessenta e oito estações de metrô da ilha, é a mais movimentada; para eles era um mar de rosas. Sem pensar duas vezes, ele sorriu para ela. Em um piscar de olhos, ela retribuiu. Ela desejou que aquela bicicleta fosse um cavalo branco. Ele desejou que ela estivesse nua na motocicleta. Acontece que ambos eram uma ilha deserta. E Nova York também o era, pois cada um de nós têm seus espaços inabitados, mesmo que estejam nos adentros dos adentros da alma. Os três; ela, ele, e a cidade, faziam parte de um arquipélago. Um arquipélago de espíritos. Um arquipélago de sonhos. Um arquipélago de solidões. Porque cada um de nós também é um ser único. E um ser único é um ser só. Mesmo que isso não se pareça em nada com a solidão, também há um espaço dentro dos adentros de nós, que nos prova o quanto somos sós.

Era ele e ela defronte à estação. Dois seres cinestésicos em busca de algo que não cabe nesta frase. Algo que não cabe em nenhum livro. Pois cabe, apenas, no coração. Sendo assim, ele disse: “Meu primeiro encontro ideal seria como o de hoje: no fogo cruzado de Nova York. Iríamos a um pub, comeríamos batata Crips e filé em crosta de alecrim. Tomaríamos cerveja. Depois caminharíamos no Central Park, falaríamos sobre as vicissitudes da vida; enquanto dávamos o nosso primeiro beijo. Eu lhe ofereceria um buquê de rosas, e você me daria mais um beijo. Ficaríamos ali, ensolarados, até o final da tarde. Em seguida, partiríamos para o nosso happy hour. Lá pelas tantas, bêbados e caindo pelas tabelas, eu lhe pediria em casamento, você aceitaria, e viveríamos felizes para sempre; por mais clichê que possa parecer. Quer lugar-comum, mais comum, que viver? Viver é chavão demais… Que me perdoem os navegadores antigos… que não me ouça Fernando Pessoa. Embora viver não seja preciso, no sentido de precisão; viver, eu preciso; porque navegar é preciso. Pois necessito de ti como necessitas do ar que eu respiro. Então, meu amor, como sei que lhe conheço desta e de outras vidas, deixe de lado o nosso encontro ideal, e responda-me de pronto: Quer casar comigo?”.

Ela não pensou duas vezes. Atirou-se na frente do primeiro ônibus que passou.


NAVEGAR É PRECISO
(Fernado Pessoa)

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
“Navegar é preciso; viver não é preciso.”

Quero para mim o espirito desta frase, transformada
A forma para a casar com o que eu sou: Viver não
É necessario; o que é necessario é criar.

Nao conto gozar a minha vida; nem em goza-la penso.
Só quero torna-la grande, ainda que para isso
Tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo.

Só quero torna-la de toda a humanidade; ainda que para isso
Tenha de a perder como minha.

Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho
Na essencia animica do meu sangue o propósito
Impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
Para a evolução da humanidade.

É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.



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