LUXÚRIA






Narciso sentia arrepios por todo o corpo toda vez que tocava-se. Vivia buscando a si mesmo nos prazeres da carne. Hedonista de carteirinha, cuidava do corpo como quem cuida de um castelo de areia, sem dar-se conta que o que é jovem hoje, amanhã será pó. Pensava que seria jovem para sempre. Mas todos sabemos que um dia a velhice chega, e quem apega-se à vaidade, acaba caindo do cavalo antes do tempo. Tinha o corpo retalhado por cirurgias plásticas. Não contentava-se com um corpo saudável. Queria-o mais bonito, mais atraente, mais cobiçado por homens e mulheres. Passava horas na academia. Passava horas à frente do espelho. Se havia algo que não gostava, corria para o bisturi. Havia perdido a conta de quantas intervenções estéticas fizera, em busca de um corpo “perfeito”. Tinha um desejo passional e egoísta pelo prazer sensual e material. Deixou-se dominar por todo tipo de paixões: paixão pelo dinheiro, pelo sexo, pelo amor de mentirinha, pela fama, pela eterna juventude. A luxúria servia-lhe de porta de entrada para todo tipo de desvio moral. Dizia que o prazer carnal era o bem supremo da vida humana: esquecendo-se do amor, da caridade, da fé, da esperança, do perdão, dos pequenos momentos da vida que são caros, da felicidade em pares de dias raros, dos acontecimentos que emocionam-nos, moldam-nos, transformam-nos, e que são o nosso verdadeiro tesouro, porque acompanham-nos por toda a eternidade. Mas para ele o que importava era gozar. Gozar à vida, gozar o momento sem preocupar-se com o futuro, gozar o presente: gozar, gozar, gozar. Tinha orgasmos todo o tempo, sem ao menos conter-se na frente de estranhos. Sua vida seria uma festa se não fosse tão triste. A solidão que o acompanhara desde o seu nascimento, agora era uma velha encarquilhada, reclamando pelos cantos. Ninguém aguentava o seu ritmo frenético de: prazer, prazer, prazer. Filhos não queria ter, porque envelheceriam-no. Casar, nem pensar. Afinal não era homem de um amor só. Não amava a Deus, nem a ninguém, muito menos a si mesmo. Porque quem não dá valor a quem está perto, é incapaz de amar a Deus, que não conhece. Era um homem sem sentimentos, perdido num abismo sem emoções. Não percebia que nem toda lágrima é triste e que nem todo sorriso é de alegria. Às vezes a gente ri e chora por tantos motivos, que o significado da palavra não cabe no dicionário. Narciso sabia tudo de vaidade, mas não sabia nada de si mesmo. Optou por uma vida artificial: pulando de galho em galho. Ou melhor: de cama em cama. Era adépto do egoísmo hedonista, que pregava que os bens materiais eram a menina dos olhos da humanidade. Para ele, o prazer sem limites, era a dádiva mais importante da vida. Seguiu vivendo na contemplação ininterrupta de si mesmo, observando-se ao infinito no espelho d’água, até afogar-se na lagoa de Eco e morrer.



LUXÚRIA™ ©  copyright by betto barquinn 2011
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Comentários

  1. Melissa Medeiros de Carvalho Durão10 de agosto de 2011 às 19:46

    De onde vem tanto talento, meu Deus do céu??? Muito bom, Betto! Muuuuuuuuuuuito bom! Beijos!

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  2. Caro Betto Barquinn, venho sempre ao seu blog, mas nunca tive coragem de escrever meus comentários, porque sempre tive vergonha de invadir esse espaço, já que não nos conhecemos pessoalmente. Mas ao ler esse seu "Luxúria", percebi que era hora de agradecer por ter na internet um blog que fala a língua da gente. Você mexe com o sentimento do seu público de uma forma muito mágica. Conheço várias pessoas, que como eu, adoram seu blog. Você não deve fazer ideia de quanta gente vem aqui e lê os seus textos. Sempre converso com meus amigos sobre você. Temos até uma roda de leitura sobre seus textos. Nos reunimos aqui em casa e lemos os seus textos em voz alta. Tudo aqui é muito teatral. Dava para fazer uma peça com seus textos, que considero monólogos. Muito bom, Betto. Desejo tudo de bom pra sua vida, cara. Vou continuar lendo, me deliciando, aprendendo com você. E espero algum dia ter a oportunidade de conhecer você, apertar a sua mão e dizer tudo que sinto, da admiração de ter em você um amigo, que fala coisas que eu sempre quis escutar. Muito bom te ler, cara. Abs!

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  3. Fico tão feliz quando venho ao seu blog, que vir aqui tornou-se um exercício de auto-conhecimento diário. Amo os textos, Bettinho! Beijokas!

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