CASH AND CARRY ME HOME








Ele estava perdido dentro de si mesmo. Usava drogas a tanto tempo que mal percebia a distância do teto ao chão. Dizem que já tinha cheirado a casa toda. Cheirou o laptop, o iPad, o iPod nano, o smartphone e o HDTV: Nem o aspirador de pó escapou. Vivia um marasmo de faz de conta. E quando falavam que ele era uma pessoa do bem e que devia se tratar, ele dizia: ‘Faz de conta que eu acredito’. Passava horas à frente do computador. Semana passada jogou paciência por setenta e duas horas, quarenta minutos e cinquenta e nove segundos. Batera o próprio recorde que era de três dias. Ele era um asno vestido de gente. Ou melhor: um idiota embrulhado para presente. Podia ter sido o que quisesse. Nascera numa família abastada, que lhe proporcionara cursos no exterior, férias em Paris, intercâmbio em Londres, idas e vindas ao Japão, festas em Ibiza, uma temporada na Suiça e a volta ao mundo em 80 dias. Tivera todas as oportunidades do mundo. E ao invés de aproveitar o que a sorte lhe reservara de bandeja, gastava o tempo drogando-se. Ontem cheirou o sofá. Amanhã será o armário de cozinha. E depois: quem sabe? Era uma vida delirante, regada a muito champagne,  horas de ócio e mais nada. Às vezes queria tomar um café com brownie: mas ficava com preguiça de fazer. De vez em quando dava uma caminhada no Museu Van Gogh e voltava cheirando a cânhamo. Viciado em ‘junk food’, passava à tarde gastando os dedos no teclado do celular, conectado à lanchonetes, pedindo tudo que tivesse muita gordura saturada, sal, açúcar, numerosos aditivos alimentares: tais como glutamato monossódico e tartrazina. E de sobremesa: todo o lixo do cardápio. Era um homem carente de vitaminas, proteínas e fibras dietéticas. Por isso era obeso, vivia cansado, ofegante, estava prestes a desenvolver alguma doença coronariana, era sério candidato ao diabete tipo 2, hipertensão e cáries. Em falar em cáries: a sua boca era um nojo. Não escovava os dentes, não usava fio dental, não gostava de antisséptico bucal, não limpava à língua nem ia ao dentista. Seu hálito era mais inconveniente que receber um bafo quente no cangote, segunda-feira de manhã, no banheiro da rodoviária. Por isso quando começava a falar, juntava mosca: de varejeira à mosca-de-bicheira era um apanhado geral.


Ele era assim: esquisito que só, chato de dar dó, um inocente inútil, que seria engraçado, se não fosse trágico. 


Cash and Carry Me Home.



CASH AND CARRY ME HOME™ ©  copyright by betto barquinn 2011
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Comentários

  1. Tudo aqui é muito chic, Betto. Você que é esse homenzarrão elegantíssimo, leva seu estilo sofisticado para todos os seus textos. Além do mais é muito inteligente e a sua sabedoria fica evidente em cada frase do texto. Não é a toa que todo mundo que lê os seus textos, de um jeito ou de outro, se apaixona por você. E comigo não foi diferente. Amo os seus textos, lindão! "Cash and Carry me Home" é muito bom! Adoro os vídeos também. Só um gênio para ter uma ideia dessas. Falar de literatura e música com tanto talento. Você é encantador por isso. Transpira Arte o tempo todo. Te amo, gato! Bjs!

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  2. É sempre muito bom vir ao seu blog, Barquinn. Você faz parte da nova safra de escritores internacionais. Se vivesse na Europa ou nos Estados Unidos já era um artista consagrado. Tanto talento assim precisa de reconhecimento. O mundo precisa ler Betto Barquinn. Deus abençoe.

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