LUZES



Remoinho:

Ele conversava com ela sobre a morte e ambos choravam copiosamente. Estavam numa plantação de arroz. Haviam passado do céu para o inferno, sem escala, fazia pouco tempo. A pessoa amada morrera e a dor era infinda. Padeciam tanto, que não reconheceriam a própria imagem, se vissem a si mesmos no vidro polido e metalizado, que reflete a luz e reproduz a imagem dos objetos colocados diante dele. O vazio era evidente. Era o bulício. Era o desassossego. Sentiam-se profundamente atados à desconsolação. Doridos, desiludidos, consternados, mortos-vivos. Eram dilacerados confessos. Desolados da raiz do cabelo ao pó do osso. O sofrimento era tão grande, que se não acreditassem numa força maior, viver não faria o menor sentido. Mas, felizmente, crer é um ato salva-vidas.

Desse modo, estavam ali feito náufragos; agarrados a uma boia tão frágil, que mal sustentava o peso da própria existência. Todavia, era o indício de que estavam lutando para sobreviver. E naquele instante, depois de muito caminhar em círculos, encontravam-se sentados no mocho de um trator ligado à uma colhedora de forragem, dividindo as agruras e as vicissitudes da vida. Nenhum dos dois sabia porque havia ido parar justamente naquela enchança: o escabelo do vagão forrageiro basculante. A estranheza era evidente. Não se conheciam, nunca passavam por ali, não sentiam nada por aquele local. Nem amor nem desprezo. Sentiam-se como um Ceratonatus steiningeri escondido sob uma pedra. Invulgar: um para com o outro e ambos para consigo mesmos. Pleonasmo. Ele, naquele horário, deveria estar no trabalho. Ela, em casa. Entretanto, movidos por aquela força salva-vidas que falamos anteriormente; aquela em que eles acreditavam mais do que em si mesmos; aquela que jogou-lhes uma frágil boia que mal sustentava a própria massa; essa em que ambos se agarraram: jogou-lhes na mesma hora e no mesmo lugar, para que apoiados um no outro, voltassem a viver.              



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