LE JOUR APRÈS LA FIN DU MONDE




Ele tinha horror a essa gente de cor. Dizia que quando não sujavam na entrada, sujavam na saída. Era uma demência quase infantil. Era, se não fosse de propósito. Se ao caminhar pela rua, visse um negro andando em sua direção, trocava de calçada. Quando era à noite, então: um perigo! Achava que seria assaltado, pisoteado, assassinado. Mas para tudo tinha uma explicação. Dizia que não era preconceito. Racismo é para os outros. Afinal, o errado são os outros. O que fazia era uma questão de hierarquia. “Na vida é assim” – ensinava. “Se essa corja não quisesse ser pisada, não nascia da cor do asfalto. Todavia foram alforriar essa gente, e agora somos obrigados a esbarrar com eles a todo momento. Só pode ser o fim do mundo! Até em casa de família eles querem entrar. É o fim da picada! Bom era o tempo que quando nos viam, abaixavam a cabeça e enfiavam o rabo entre as pernas. Tudo culpa dos abolicionistas!”.

Ele era assim: julgava o outro pela cor da pele. Se o sujeito tinha a pele clara, logo dizia: “Lá se vê um cidadão honesto. Posso apostar que é pai de família, trabalhador, cumpridor do seu dever. Logo se entende que é um cidadão acima de qualquer suspeita. Entretanto, se via um sujeito, digamos, ‘escurinho’, virava o rosto. Segundo ele, todos deviam ser presos, recolocados num navio negreiro, e enviados para uma ilha deserta. Contudo, parava e pensava: “Onde haverá uma ilha de fato deserta nesse mundo?”. O dinheiro que os americanos gastam mandando foguetes para tudo quanto é canto, deveria ser usado para mandar essa gente para o espaço. Isso sim seria um dinheiro bem gasto!”.     

Ainda ontem, passou mal na estação de trem. “Deve ter sido o calor” – pensou. Quando os paramédicos chegaram, o doutor era um médico de cor. Ele assustou-se com aquilo e perguntou se não podiam ter mandado um “médico de gente”. Ainda com o corpo dormente, foi informado que sofrera um ataque cardíaco. Teria que ser removido imediatamente, pois corria o risco de sofrer um enfarto fulminante. Quando os paramédicos tentaram removê-lo para a ambulância, ele aos berros, sentenciou:

– Se tiver que ser atendido por esse “macaco”, prefiro morrer!

Não deu outra: morreu.



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