DADDY





Acabara de ler “O Bicho”, de Manuel Bandeira, e correra até a geladeira em busca de carne. Tinha um não sei quê no pescoço, que às vezes coçava, outras miava. Era um desalento ofuscado pelo dom de si mesmo. Era alguma coisa entre o absoluto e o relativo, que parecia abstrato. Algo difícil de explicar. Mas estava ali, roendo as solas dos sapatos, como um rato. Pensou no concretismo de Augusto de Campos. Pensou no neo-concretismo de Ferreira Gullar. Pensou em tantas coisas, que esqueceu-se de pensar. Pegou uma colher e enfiou na boca. Ali estava o seu habitat. Quando cansou-se desta vida, pegou o livro, colocou-o debaixo do braço, tirou a colher da boca e saiu pelo meio da rua, devorando-se. Aquela era a sua sopa de letrinhas. Aquele era o seu pai de aluguel. O livro para ele sempre foi uma cidade, um país, um lugar de afeto. No bicho em que se transformara não havia espaço para a orfandade. Mas como pensava-se só no mundo, desintegrou.   



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