TA-HI
Ele fora movido pela pobreza dos afetos. Desde tenra infância era assim: a pobreza de sentimentos rondava-lhe à alma como moscas de padaria. Era alguém avesso à palavra. Quando falava alguma coisa, o silêncio predominava absoluto. Tinha dias que mergulhava na cama. Não saía de lá nem por um decreto. Noutros, ficava parado no tempo. “Dias de lamento” – pensava. Dias que mergulhava no esquecimento. Dias em que as horas tardavam a passar. Tinha a alma de um moribundo. Não possuía o amor que dilui o ódio. Era o doce amargo de uma vida agridoce. Seja lá o que fosse: murmurava. Se tinha ganas de correr: corria. Se tinha ganas de ter alegria: alegria. A felicidade era-lhe um breve momento de espasmo e de dor. Era um homem fadado ao tédio e a preguiça. Havia nele um pássaro de borracha plantado à janela. Havia nele uma aguarela sem cor. A vida fora embora. Saira para dar um passeio e no meio se perdera. O rato comeu o fio do ar condicionado. O rato comeu o arado. Ele era o rato. Sabia-se rato. Entendia-se rato. E o rato ruía-lhe a roupa como fizera com as vestes do rei de Roma. Um homem em coma. Uma obra prestes a não mais cicatrizar.
Ele fora movido pela pobreza dos afetos. E um dia partiu para não mais voltar.
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A qualidade do seu blog é coisa rara. Dá para sentir o primor com que você escreve. Tudo aqui é extremamente profissional. Cada palavra, cada sentimento, cada imagem. Estou verdadeiramente apaixonada pelo texto, pelo artista, pelo escritor. Você é uma grande alma, Betto. Sucesso, lindão. Sucesso!
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