LOUD POCKETS






Toda vez que estava com insônia, o patrão caminhava por Lower Manhattan com um rosário na mão. Ele não era homem de andar com as mãos abanando. Tinha os bolsos altos: cheios de dinheiro. Sempre carregava alguma coisa: um dólar, um cigarro, uma faca, um baralho, uma caneta, um chicote, um cinzeiro, uma arma. Era um homem solitário. Tinha muito dinheiro e ninguém para ajudar a gastar. Era chato ser rico nessas circunstâncias. Tinha tudo que queria: menos amor. Depois de três casamentos fracassados, decidira ficar só. Mulher agora: só como passatempo. “Tinha o dedo podre para o amor” dizia. Por isso caminhava: Para tentar entender porque nada dava certo em sua vida. O dinheiro herdara do pai: um banqueiro mal caráter que enriqueceu explorando a boa fé dos papalvos. A mãe morrera vítima dos excessos do álcool. E a esta hora deve estar no céu dos suicidas, implorando ao diabo que tenha piedade de nós. Digo nós porque eu ficava por ali: horas limpando, outras observando, tentando ver se caia alguma moeda no chão. Moeda esta que poderia vir, assim que terminasse de lamber a sola dos sapatos do patrão. Ele de vez em quando me dava um agrado. Um petisco ou outra coisa de comer. Embora não tratasse bem os empregados: a mim ele queria como um irmão. Eu era como se fosse da família. Dia desses até me trouxe um pedaço de carne, vejam só! Fora jantar num restaurante da moda e sobrou um filé bem tostadinho, que ele trouxe para mim: Seu empregado fiel. Dessa vez não era o cachorro que ganharia um naco de carne. Era eu que comeria o suculento bifão! Esse deve ter sido o dia mais feliz da minha vida: Chorei copiosamente por horas. Chorei até pela boca do estômago: Cada um chora por onde tem saudade. Ganhar o filé que passou pelo prato do patrão é melhor que ganhar três vezes na loteria. ‘O resto do prato de alguém tão importante assim é uma iguaria dos deuses!’ – pensei. Mas estava enganado. Só percebi o quanto era humilhado, no dia que  ele surrou-me até às três da manhã. O motivo: Esqueci de encher as forminhas de gelo. Ou melhor: de água. Naquela noite o patrão ficou sem o seu ‘on the rocks’. Mas isso é outra história. Melhor falar sobre ele: meu querido, amado, adorado patrão.


O patrão é o homem mais rico da cidade. Quando está sem sono, pega o elevador e vai da cobertura ao térreo em cinco segundos. Depois caminha pelo Soho até o sono chegar. O patrão foi casado com três sanguessugas, que após a separação, tiraram dele até o elástico das cuecas. Mas como dinheiro para ele nunca foi problema, pagava sem reclamar. Acontece que o patrão nunca soube amar. Nunca estava em casa. Nunca fazia um carinho. Só gostava de humilhar. Aquela que seria a sua primeira esposa, suicidou-se dois minutos antes do casamento. Deixou uma carta dizendo que preferia morrer à casar-se com aquele lixo. O “lixo” em questão, segundo ela, era meu querido patrão. Isso deve tê-lo traumatizado. Afinal de contas, coitado, depois do vexame inconteste, ficou amoadinho, amoadinho. Eu teria todos os motivos para odiá-lo. Ele às vezes me bate. Mas eu não digo nada: O patrão tem sempre razão. Se eu tivesse dinheiro também batia. Se eu tivesse dinheiro: humilhava meus empregados. Se eu tivesse dinheiro: traria filé com fritas numa quentinha, cuspia dentro, e mandava meu empregado predileto comer. Seria divertido. Se eu tivesse dinheiro: faria o mesmo que ele fez comigo.     


Ontem o patrão foi encontrado morto na rua. Certamente em uma de suas crises de insônia, saiu e sucedeu o ocorrido. Eu estava dormindo. Não sei quem matou ele, não. Eu sou só o mordomo. O mordomo é sempre o culpado? Eu sou inocente! Larguem-me!  


Está bem, eu confesso:


– Fui eu quem matou.



LOUD POCKETS™ ©  copyright by betto barquinn 2011
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Comentários

  1. Muito maneiro "Loud Pockets", Barquinn. Você é um grande escritor. O maneiro é que você escreve muito parecido com jovens escritores europeus, que na literatura e na música, vêm se despontando no panorama artístico internacional. Tenho certeza que com você não será diferente. As coisas boas, vindas de artistas iluminados como você, rompem fronteiras. Só me resta dizer: Sucesso! E que Deus te abençoe, irmão. Porque o resto você constrói sozinho. Muito bom! Abs!

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  2. Você me deixa sem palavras, Betto. Tanto talento junto me deixa boquiaberta. Adooooooooooooro os seus textos, gatinho! Beijos!

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