PREGUIÇA






Ela estudava a teoria da abstração e do silogismo, os conceitos de ato e potência, forma e matéria, substância e acidente, sentada no colo do aristotelismo. Acabara de conhecer São Tomás de Aquino, confundindo-o, vez por outra, com ‘Tio Vânia’,  de Anton Tchekhov. Com a teologia fundada na revelação e a filosofia baseada no exercício da razão humana, fundindo fé e razão numa síntese definitiva, acreditava que toda criação era boa, tudo que existia era verdadeiro, tudo que vinha do ser de Deus era belo: compreendendo o mal como a ausência temporária do bem. Com o uso da razão, caminhou um pouco pelas veredas do Criador. Pegou a primeira via, que dizia em uma de suas placas: “Tudo o que se move é movido por alguém. É impossível uma cadeia infinita de motores, provocando o movimento dos movidos, pois do contrário nunca se chegaria ao movimento presente. Logo há que ter um primeiro motor que deu início ao movimento existente e que por ninguém foi movido”. Dois segundos depois, pegou a segunda via, que em uma de suas placas, dizia: “A causa primeira decorre da relação "causa-e-efeito" que se observa nas coisas criadas. É necessário que haja uma causa primeira que por ninguém tenha sido causada, pois a todo efeito é atribuída uma causa, do contrário não haveria nenhum efeito, pois cada causa pediria uma outra numa sequência infinita”. Um pouco sonada, mas ainda assim, inspirada, pegou a terceira via, que dizia: “O ser necessário explica que existem seres que podem ser ou não ser (contingentes), mas nem todos os seres podem ser desnecessários, se não o mundo não existiria. Logo é preciso que haja um ser que fundamente a existência dos seres contingentes e que não tenha a sua existência fundada em nenhum outro ser”. Aos bocejos, leu mais um trecho do livro, que dizia: “Estudando a questão do ser perfeito, verifica-se que há graus de perfeição nos seres, uns são mais perfeitos que outros, qualquer graduação pressupõe um parâmetro máximo. Logo deve existir um ser que tenha este padrão máximo de perfeição e que é a causa da perfeição dos demais seres”. Com os olhos quase-fechados, insistiu mais um pouco na sua busca pelo auto-conhecimento de Deus, e leu um pedacinho que diz: "Se pensarmos na inteligência ordenadora,  perceberemos que existe uma ordem no universo que é facilmente verificada. Ora, toda ordem é fruto de uma inteligência".


Ao ouvir Tomás de Aquino dizer: “Sócrates está sentado”, poderia continuar lendo um pouco mais. Contudo, ficou com preguiça, fechou o livro e dormiu.



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Comentários

  1. Francisco Otaviano Neto12 de agosto de 2011 às 20:49

    Você é dono de uma genialidade sem precedentes. Ler qualquer coisa escrita por você é sempre um grande aprendizado. Você é um mar de emoções. Alguém capaz de escrever tão bem só pode ser um grande escritor. Desejo a você paz e saúde, cara. Porque SUCESSO é algo que você já é. Abração!

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  2. Muito bom ver um escritor jovem, escrevendo de forma tão madura. Você conhece como ninguém os sentimentos humanos. Concordo quando dizem que seu texto é muito parecido com o texto da Clarice Lispector. Ambos possuem uma alma inquieta, que busca no diálogo, o ponto de equilíbrio. Escrever tão bem assim é um dom para poucos, meu caro. Vida Longa ao Rei! Abs!

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